domingo, outubro 30, 2005

Vergílio Ferreira

Para saberem mais sobre o percurso do grande escritor português Vergílio Ferreira (o meu mestre), aconselho os sites: Rota dos Escritores, Instituto Camões, Universal, Virtual e Vergílio Ferreira.

Vida finda

"Vida finda. Mas não perguntes. Sonhos, lutas, e a obsessão do enigma - não perguntes. E do que o ordenasse ao universo - não penses. A palavra ainda, se ao menos. A palavra final. A oculta e breve por sobre o ruído e a fadiga. A última, a primeira."

Vergílio Ferreira, em "Para Sempre"

O homem

"Porque o homem é só o seu futuro. Bem sei. Futuro findo o meu. Já sei. Mas entender isso, entender. Sê calmo - e falas tanto. Organizar a força que te resta. Organizá-la, não para o futuro que já não há, mas para o dia-a-dia que for havendo. Acabar em decência - um velho está tão a mais. Discreto, abrigado no que te sobra de homem - tenho de ir ao andar de cima. Recolhido à tua humildade, à tua miséria sobrevivente."

Vergílio Ferreira, em "Para Sempre"

A última palavra

"Que última palavra me deste? Palavra de amor, de ira, de ordem seca em estalo. Palavra para lembrar. Pela vida inteira, a tua última palavra. A que selasse por uma vez a linguagem do sangue, de um destino comum. Não a recordo. Vejo antes a tua face retraçada de cólera. E os olhos baixos, directos ao chão. Cólera contra ti, contra a vida, contra mim. Forma de talvez me amares na tua dedicação animal."

Vergílio Ferreira, em "Para Sempre"

Corpo

«Oh, porque não chorei e me desfiz em lágrimas para aliviar a minha angústia. Senhor, tu não existes! Pedi-te a tua protecção para ele! Que cuidasses dele por mim. Foi o que te pedi. Mas tu só te ocupas das almas. E o que eu quero dele é o corpo. Nu e quente de amor; fervendo de desejos; esquadrinhando o transparente suspenso do seu. O meu corpo leve e sustido e solto pela sua força. Que farei agora com os meus lábios sem a sua boca para os preencher? Que farei dos meus doridos lábios?»

Juan Rulfo, em "Pedro Páramo"

Este mundo que nos aperta

"- Este mundo, que nos aperta por todos os lados, que vai esvaziando punhados do nosso pó aqui e ali, desfazendo-nos em pedaços como se orvalhasse a terra com o nosso sangue. Que fizemos nós? Porque nos apodreceu a alma? A tua mãe dizia que nos resta, pelo menos, a caridade de Deus."

Juan Rulfo, em "Pedro Páramo"

Espera

«Estive trinta anos à espera de que regressasses, Susana. Esperei até ter tudo. Não só alguma coisa mas tudo o que se pudesse conseguir para que não nos restasse qualquer desejo, só o teu, o desejo de ti.»

Juan Rulfo, em "Pedro Páramo"

segunda-feira, outubro 24, 2005

Juan Rulfo

Para saberem mais sobre Juan Rulfo, escritor mexicano, deixo-vos um site brasileiro, que, além de uma pequena biografia, apresenta um texto deste mesmo autor - "A terra que nos deram".

A minha aldeia

«Encontrarás lá o meu querer. O lugar que eu amei. Onde os sonhos me enfraquecem. A minha aldeia, erguida sobre a planície. Cheia de árvores e folhas, como um mealheiro onde guardámos as nossas recordações. Sentirás que, lá, uma pessoa gostaria de viver para sempre.»

Juan Rulfo, em "Pedro Páramo"

Grito

"Não, não era possível calcular a profundidade do silêncio que aquele grito produziu. Como se a Terra se tivesse esvaziado de todo o ar. Nenhum som; nem o da respiração, nem o do bater do coração; como se o próprio ruído da consciência se tivesse interrompido."

Juan Rulfo, em "Pedro Páramo"

Perdoar

"Que lhe custava a ele perdoar, quando era tão fácil dizer uma palavra ou duas ou cem se estas fossem necessárias para salvar a alma? Que sabia ele do Céu e do Inferno? E contudo, ele, perdido numa aldeia sem nome, sabia quem eram os que tinham merecido o Céu. Havia um catálogo."

Juan Rulfo, em "Pedro Páramo"

Estás tu escondida

«A centenas de metros, acima de todas as nuvens, mais, muito mais além, estás tu escondida, Susana. Escondida na imensidão de Deus, por trás da sua Divina Providência, onde eu não consigo alcançar-te e as minhas palavras não chegam.»

Juan Rulfo, em "Pedro Páramo"