quarta-feira, agosto 31, 2005

Dinheiro

“Insone, possesso, quase feliz, reflecti que não existe nada menos material do que o dinheiro já que qualquer moeda (uma moeda de vinte centavos, digamos) é, em rigor, um repertório de futuros possíveis. O dinheiro é abstracto, repeti, o dinheiro é tempo futuro. Pode ser uma tarde nos arrabaldes, pode ser música de Brahms, pode ser mapas, pode ser xadrez, pode ser café, pode ser as palavras de Epicteto, que ensinam o desprezo do ouro; (…) uma moeda simboliza o nosso livre-arbítrio.”

Jorge Luis Borges, em "O Aleph"

Palavras

“No meu entender, a conclusão é inadmissível. Quando se aproxima o fim, escreveu Cartapholus, já não restam imagens da lembrança; só restam palavras. Palavras, palavras deslocadas e mutiladas, palavras de outros, foi a pobre esmola que lhe deixaram as horas e os séculos.”

Jorge Luis Borges, em "O Aleph"

segunda-feira, agosto 29, 2005

O Aleph - Jorge Luis Borges

Mais uma vez, para quem estiver interessado, aconselho uma visita ao site Citador, para terem uma ideia desta obra de Jorge Luis Borges.

Sandra

A morte

“A morte (ou a sua alusão) torna os homens preciosos e patéticos. Estes comovem pela sua condição de fantasmas; cada acto que executam pode ser o último; não há rosto que não esteja por apagar-se como o rosto de um sonho. Tudo, entre os mortais, tem o calor do irrecuperável e do fortuito.”

Jorge Luis Borges, em "O Aleph"

Sou e não sou

“Como Cornélio Agripa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demónio e sou mundo, o que é uma fatigante maneira de dizer que não sou.”

Jorge Luis Borges, em "O Aleph"

quinta-feira, agosto 25, 2005

Palomar - Italo Calvino

Para terem uma ideia da obra Palomar, de Italo Calvino, aconselho uma visita ao site Citador. Se tiverem curiosidade em ler este livro, falem comigo, eu posso emprestar! Ah, e não se esqueçam de fazer comentários. Fiquem bem.

Sandra

quarta-feira, agosto 24, 2005

Estar morto

“Este é o passo mais difícil para quem aprende a estar morto: convencer-se de que a sua própria vida é um conjunto fechado, todo no passado, ao qual não se pode juntar nada, nem introduzir modificações de perspectiva na relação entre os vários elementos. É certo que os que continuam a viver podem, com base nas modificações por eles vividas, introduzir modificações inclusive na vida dos mortos, dando forma àquilo que a não tinha ou que parecia ter uma forma diferente: reconhecendo por exemplo um justo rebelde naquele que tinha sido vituperado pelos seus actos contra a lei, celebrando um poeta ou um profeta naquele que se tinha visto condenar à neurose ou ao delírio. Mas são modificações que contam sobretudo para os vivos. Eles, os mortos, dificilmente tiram delas qualquer proveito. Cada um é feito daquilo que viveu e do modo como o viveu, e isto ninguém lho pode tirar. Quem viveu sofrendo, fica feito pelo seu sofrimento; se pretenderem-lhe tirar-lho, deixa de ser ele.”

Italo Calvino, em "Palomar"

Abre os olhos

“Abre os olhos. O que surge diante do seu olhar parece-lhe algo que viu já todos os dias: ruas cheias de pessoas que têm pressa e que abrem caminho à cotovelada, sem se olharem na cara umas das outras, por entre altas paredes cheias de arestas e de gretas. Ao fundo, o céu cheio de estrelas envia clarões intermitentes, como se fosse um mecanismo encravado, que estremece e range em todas as suas juntas mal oleadas, posto avançados de um universo periclitante, torcido, sem descanso tal como ele.”

Italo Calvino, em "Palomar"

Relações com o próximo

"O senhor Palomar sofre muito por causa das suas dificuldades nas relações com o próximo. Inveja as pessoas que têm o dom de encontrar sempre a coisa certa para dizer, o modo certo de se dirigir a cada um; que estão à vontade com quem quer que se encontrem e que põem os outros à vontade; que, movendo-se com ligeireza entre as pessoas, compreendem imediatamente quando se devem defender e tomar as suas distâncias e quando devem ganhar a simpatia e a confiança dos outros; que dão o melhor de si próprias na relação com os outros e que levam os outros a dar o seu melhor; que sabem logo quando podem contar com uma pessoa, em relação a si próprios e em termos absolutos.

«Estes dotes – pensa Palomar com o desgosto de quem não os tem – são coisas concedidas a quem vive em harmonia com o mundo.»"

Italo Calvino, em "Palomar"

terça-feira, agosto 23, 2005

Sociedade

“Palomar, que dos poderes e contrapoderes espera sempre o pior, acabou por se convencer de que o que conta verdadeiramente é aquilo que acontece apesar deles: a formar que a sociedade vai lentamente adquirindo, silenciosamente, anonimamente, nos hábitos, na maneira de pensar e de fazer, na escala de valores.”

Italo Calvino, em "Palomar"

Boas ocasiões

“Boas ocasiões para ficar calada nunca faltam, mas também acontece que o senhor Palomar lamente não ter dito alguma coisa que teria podido dizer no momento oportuno. Apercebe-se de que os factos confirmam aquilo que ele pensava e que, se então tivesse expresso o seu pensamento, talvez tivesse tido uma influência positiva qualquer, ainda que mínima, sobre o que aconteceu. Nestes casos o seu espírito divide-se entre a satisfação de ter visto com acerto e um sentimento de culpa pela excessiva reserva.”

Italo Calvino, em "Palomar"

Processo de desagregação do mundo

“Todo o processo de desagregação da ordem do mundo é irreversível, mas os efeitos são escondidos e atrasados pela poeira dos grandes números, a qual contém possibilidades praticamente ilimitadas de novas simetrias, combinações, emparelhamentos.”

Italo Calvino, em "Palomar"

Talvez porque o mundo...

“Talvez porque o mundo que existe à sua volta se move de uma forma desarmónica e ele continua a esperar descobrir nele um desígnio, uma constante. Talvez porque ele próprio sente que avança levado por impulsos não coordenados da mente, que parecem não ter nada que ver uns com os outros e que são cada vez mais difíceis de fazer enquadrar num qualquer modelos de harmonia interior.”

Italo Calvino, em "Palomar"

Pessoas

“O senhor Palomar gostaria de colher nos seus olhares um reflexo do fascínio daqueles tesouros, mas as caras e os gestos são apenas impacientes e fugidios, gestos de pessoas concentradas em si próprias, de nervos tensos, preocupadas com aquilo que há e aquilo que não há”.

Italo Calvino, em "Palomar"

Se toda a matéria fosse transparente

“Se toda a matéria fosse transparente, o solo que nos sustém, o invólucro que enfaixa os nossos corpos, as coisas não apareciam como um esvoaçar de véus impalpáveis, mas sim como um inferno de triturações e ingestões. Pode ser que neste momento um deus dos infernos, situado no centro da terra, nos esteja a ver com o seu olho que atravessa o granito, espreitando-nos do lado de baixo, seguindo o ciclo do viver e do morrer, as vítimas dilaceradas que se desfazem nos ventres dos devoradores, até que por sua vez um outro ventre os engole a eles.”

Italo Calvino, em "Palomar"