domingo, dezembro 17, 2006

Libertango

A liberdade... o som e as imagens dizem tudo...

O aniquilar do sonho...

Procurei-te a vida toda. Mesmo em criança já sonhava contigo e desejava ardentemente o dia em que me vinhas salvar montado no teu cavalo branco. Em tantos rostos parecia reconhecer-te mas enganava-me sempre.

Tu nunca apareceste. Senti-me tentada a desistir mas achava que era o único sonho que me mantinha presa à vida ainda que o fio fosse frágil. Pensei nas razões que te mantinham distante. Pensei até gritar de desespero. Nada me convencia de que não passavas de uma farsa, de uma ilusão.

Nem imaginas o que me custa apagar-te dos meus sonhos simplesmente porque não existes. Porque mesmo ausente me fizeste perder a cabeça e me esvaziaste o coração. Recordo as palavras ingénuas, os delírios, os pressentimentos e o que traziam: mágoas, decepções, tristezas. Palavras gastas pela crença no herói romântico que me ia amar sem limite e eu retribuía da mesma forma.

As quedas, a evidência da tua inexistência foram-me desgastando. Nada valeria para mim sem ti, tudo seria insignificante sem o teu amor eterno. Não é que agora acredite que há algo mais valioso do que o amor. Simplesmente não acredito da mesma forma ou da forma que gostaria… Mas é irreal.

Não posso viver mergulhada numa crença, num mito que me magoa constantemente. Tenho de viver a realidade, neste mundo, da maneira como ela se me apresenta. Não posso olhar para um homem e ver nele a tua alma, quando é apenas um homem igual a tantos outros, com virtudes e defeitos.

Não obstante, grito por ti, sangra-me o coração por não existires, fico arrasada por te abandonar nesta espera sempre em desespero. Mesmo na realidade onde não estás reclamo por não apareceres. Mesmo mudando o rumo dos meus passos, olho para trás à tua procura, vou devagar, paro na esperança de me chamares e eu correr para os teus braços. Mas tu não me ouves ou não estás lá.

O mínimo ruído alimenta a minha esperança. Volto a olhar, mas nada. Como dói não me teres encontrado. Como dói não te ter conhecido apesar de jurar conhecer-te desde sempre e reconhecer-te no primeiro olhar. Chamam-me mas do outro lado. Não tenho alternativa, mas ninguém me obriga a ir por este caminho, fui eu que o escolhi.

Encontro o meu carro. Finjo não encontrar a chave. Mas ela aparece logo. Deixo a porta aberta à espera que corras e me impeças de partir. Continua a não se passar nada para além do meu desespero gritante escondido por um sorriso de nostalgia. Entro e fecho a porta. Não vieste. Uma última oportunidade. Ligo a chave e arranco. Sempre em frente.

Ainda passo por ti e reparo que me vês mas nada fazes. És um príncipe muito frouxo. Nem te aceno na despedida. Carrego no acelerador. Não fizeste um gesto para me impedires de partir. Pensas que volto. Enganas-te. O ponteiro da velocidade mais elevado. Não voltarei para te vir buscar.

Gosto da estrada. Sou livre. A velocidade satisfaz-me. No meu corpo indiferente ao novo ambiente bate um coração desfeito, a explodir...

A revolta de te perder antes de te encontrar. A dor de te deixar sem te dar o amor. Assim se foi a historinha do príncipe encantado e da gata borralheira. Sem príncipes. Assim serei eu feliz. Assim esmaguei com raiva o teu retrato, rasguei as tuas fotos, destruí os teus objectos e queimei as tuas roupas. Assim dilacerei a tua alma, parti aos bocadinhos o teu coração de porcelana e enfiei-o no contentor da reciclagem. Assim arranquei do meu cérebro as tuas filosofias e ideais. Assim aspirei os meus sentimentos e deixei o meu coração vazio.

Sandra Bastos
Novembro 2006

El Tango de Roxanne (Moulin Rouge)

Eis o Tango que me vai na alma...


terça-feira, dezembro 12, 2006

Será que ele me ama? Será que ela me ama?

Antigamente, a terra estava povoada de pequenos seres esféricos representando três categorias de humanos, todos duplos, dotados de quatro braços, outras tantas pernas e de uma única cabeça com duas caras, a feminina, nascida da Terra, a masculina, nascida do Sol, e o andrógino, homem e mulher ao mesmo tempo, nascido da Lua. Um dia, rolando sobre si mesmos em turbilhão, escalaram até aos céus para atacar os deuses.
Irritado, Zeus fendeu-os em dois.
Foi depois desses tempos que cada um começou a procurar o seu duplo. As duas metades perdidas do nosso corpo.

Pierre Rey, O Desejo (p. 49)

segunda-feira, dezembro 04, 2006

El Son Hay Que Llevarlo En El Corazon
Mi Musica Es Tu Musica

domingo, dezembro 03, 2006

Novo blogue: "sugar o tutano da vida"

Criei um (novo) blogue mais direccionado para as questões da sociedade, para a forma, por vezes irónica, como as pessoas "sugam o tutano da vida".

Convido-vos a visitá-lo e a comentar o conteúdo do mesmo. Um espaço aberto à discussão de ideias e situações que marcam o quotidiano e a nossa civilização.

http://sandrabastos.blogspot.com/

Um vulto negro...

O sonho desfaz-se no primeiro contacto com a realidade. A ilusão que tapa os olhos cai num ápice e parece que ficamos a ver enevoado.

Um vulto negro que se move na escuridão de uma tarde quente de Inverno. Continuo a caminhar. Paro. Porquê? Vi mesmo alguma coisa de interessante? Eis a questão e a minha contínua mania de me vingar nas palavras.

Salva-me o toque do telemóvel. Quebra-Nozes. Valsa das Flores. Para onde vou afinal? Sigo o som da música ou o ritmo das minhas palavras? O discurso flúi naturalmente. Hesito sem parar de me movimentar. Os passos vão sempre para a frente. Posso parar mas jamais voltar atrás.

Chega o momento de reconhecer que nada aconteceu que valesse um grande esforço, um coração despedaçado. Quando na escuridão os nossos olhares cruzam-se à distância e afinal…

Sandra Bastos

quinta-feira, novembro 30, 2006

Entramos num mundo com um grito;
deixamo-lo com um suspiro.
Entre esses dois momentos extremos,
a palavra parece ser o princípio e o fim da nossa vida.
(...) Pela palavra amamos, pela palavra odiamos.
Pela palavra abençoamos e condenamos.
Pela palavra prometemos
e nos comprometemos.
Pela palavra justificamos e mentimos.
Receamos e encorajamos.
Insinuamos e ofendemos.
Desculpamos e perdoamos.
Pela palavra construimos.
Pela palavra nos emocionamos,
pela palavra nos encontramos
e nos desencontramos.
Pela palavra matamos,
pela palavra vivemos.
Gomes (1993)

quarta-feira, novembro 29, 2006

Segue o teu destino

Segue o teu destino

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.


Ricardo Reis

quarta-feira, novembro 22, 2006

Já não me importo

Já não me importo

Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.

Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda irei

Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,

Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,

Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que é sem ar
De olhar a valer.

E só me não cansa
O que a brisa me traz
De súbita mudança
No que nada me faz.

Fernando Pessoa

sábado, novembro 18, 2006

O passado e o presente murcham...

"O passado e o presente murcham... Já os enchi e esvaziei,
E vou encher a minha prega futura.

Ei, tu que me ouves aí em cima! Que tens a dizer-me?
Olha-me no rosto enquanto respiro a tarde,
(Fala com franqueza, mais ninguém te ouve, e eu só fico mais um minuto).

Contradigo-me?
Muito bem, então contradigo-me,
(Sou imenso, contenho multidões).

Dirijo-me aos que estão perto, espero no umbral.

Quem fez o trabalho do dia? Quem acabará primeiro a sua ceia?
Quem quer passear comigo?

Falarás antes de me ir embora? Tirarás a prova demasiado tarde?"

Walt Whitman

Vivas pelos vencidos!

"Com a estrondosa música venho, com as minhas cornetas e tambores,
Não só toco marchas para os vencedores aclamados, também as toco para os
conquistados e abatidos.

Ouviste dizer que foi bom vencer?
Também te digo que é bom perder, as batalhas perdem-se com o mesmo
espírito com que se ganham.

Toco e volto a tocar pelos mortos,
Sopro por eles a minha mais alta e alegre melodia.

Vivas pelos vencidos!
E por aqueles cujos vasos de guerra se afundaram no mar!
E pelos náufragos também!
E por todos os generais que perderam e por todos os vencidos heróis!
E pelos inumeráveis heróis desconhecidos iguais aos maiores heróis
conhecidos!"

Walt Whitman

terça-feira, novembro 14, 2006

Dádiva

Dois homens, ambos gravemente doentes, estavam no mesmo quarto de hospital.Um deles podia sentar-se na sua cama durante uma hora, todas as tardes, para que os fluidos circulassem nos seus pulmões. A sua cama estava junto da única janela do quarto. O outro homem tinha de ficar sempre deitado de costas.
Os homens conversavam horas a fio. Falavam das suas mulheres, famílias, das suas casas, dos seus empregos, dos seus aeromodelos, onde tinham passado as férias...
E todas as tardes, quando o homem da cama perto da janela se sentava, passava o tempo a descrever ao seu companheiro de quarto todas as coisas que conseguia ver do lado de fora da janela. O homem da cama do lado começou a viver à espera desses períodos de uma hora, em que o seu mundo era alargado e animado por toda a actividade e cor do mundo do lado de fora da janela.
A janela dava para um parque com um lindo lago. Patos e cisnes, chapinhavam na água enquanto as crianças brincavam com os seus barquinhos. Jovens namorados caminhavam de braços dados por entre as flores de todas as cores do arco-íris. Árvores velhas e enormes acariciavam a paisagem e uma tênue vista da silhueta da cidade podia ser vislumbrada no horizonte. Enquanto o homem da cama perto da janela descrevia isto tudo com extraordinário pormenor, o homem no outro lado do quarto fechava os seus olhos e imaginava as pitorescas cenas.
Um dia, o homem perto da janela descreveu um desfile que ia apassar:Embora o outro homem não conseguisse ouvir a banda, conseguia vê-la e ouvi-la na sua mente, enquanto o outro senhor a retratava através de palavras bastante descritivas.
Dias e semanas passaram. Uma manhã, a enfermeira chegou ao quarto trazendo água para os seus banhos, e encontrou o corpo sem vida do homem perto da janela, que tinha falecido calmamente enquanto dormia.
Ela ficou muito triste e chamou os funcionários do hospital para que levassem o corpo. Logo que lhe pareceu apropriado, o outro homem perguntou se podia ser colocado na cama perto da janela. A enfermeira disse logo que sim e fez a troca. Depois de se certificar de que o homem estava bem instalado, a enfermeira deixou o quarto.
Lentamente, e cheio de dores, o homem ergueu-se, apoiado no cotovelo, para contemplar o mundo lá fora. Fez um grande esforço e lentamente olhou para o lado de fora da janela que dava, afinal, para uma parede de tijolo!
O homem perguntou à enfermeira o que teria feito com que o seu falecido companheiro de quarto lhe tivesse descrito coisas tão maravilhosas do lado de fora da janela. A enfermeira respondeu que o homem era cego e nem sequer conseguia ver a parede. Talvez quisesse apenas dar-lhe coragem...

Moral da História: Há uma felicidade tremenda em fazer os outros felizes, apesar dos nossos próprios problemas. A dor partilhada é metade da tristeza, mas a felicidade, quando partilhada, é dobrada.
Se te queres sentir rico, conta todas as coisas que tens que o dinheiro não pode comprar. O dia de hoje é uma dádiva, por isso é que o chamam de presente!

autor desconhecido

quinta-feira, novembro 09, 2006

SOS CRIANÇA

O meu nome é ""Sara""
Tenho 3 anos
Os meus olhos estão inchados,
Não consigo ver.

Eu devo ser estúpida,
Eu devo ser má,
O que mais poderia pôr o meu pai em tal estado?

Eu gostaria de ser melhor,
Gostaria de ser menos feia.
Então, talvez a minha mãe me viesse sempre dar miminhos.

Eu não posso falar,
Eu não posso fazer asneiras,
Senão fico trancada todo o dia.

Quando eu acordo estou sozinha,
A casa está escura,
Os meus pais não estão em casa.

Quando a minha mãe chega,
Eu tento ser amável,
Senão eu talvez levaria
Uma chicotada à noite.

Não faças barulho!
Acabo de ouvir um carro,
O meu pai chega do bar do Carlos.

Ouço-o dizer palavrões.
Ele chama-me..
Eu aperto-me contra o muro.

Tento-me esconder dos seus olhos demoníacos.
Tenho tanto medo agora,
Começo a chorar.

Ele encontra-me a chorar,
Ele atira-me com palavras más,
Ele diz que a culpa é minha, que ele sofra no trabalho.

Ele esbofeteia-me e bate-me,
E berra comigo ainda mais,
Eu liberto-me finalmente e corro até à porta.

Ele já a trancou.
Eu enrolo-me toda em bola,
Ele agarra em mim e lança-me contra o muro.

Eu caio no chão com os meus ossos quase partidos,
E o meu dia continua com horríveis
palavras...

"Eu lamento muito!", eu grito
Mas já é demasiado tarde
O seu rosto tornou-se num ódio inimaginável.

O mal e as feridas mais e mais,
"Meu Deus por favor, tenha piedade!
Faz com que isto acabe por favor!"

E finalmente ele pára, e vai para a porta,
Enquanto eu fico deitada,
Imóvel no chão.

O meu nome é "Sara"
Tenho 3 anos,
Esta noite o meu pai *matou-me*.

Existem milhões de crianças que assim como a "Sara" são mortos. E tu podes ajudá-los. E se porque tu ficaste sensibilizado(a), faz qualquer coisa!! Faz passar este poema porque mesmo se isto parece doido pode talvez mudar indirectamente as nossas vidas. Nunca se sabe.

(autor desconhecido)

quarta-feira, novembro 08, 2006

O milagre


O milagre! Quantos já ocorreram na minha vida! E outros que ficaram por se realizar...

O pior já passou e ainda está para vir. O melhor já passou e ainda está para vir. É assim a vida!

A fragilidade que se manifesta nos maus momentos, deixamo-nos cair quando a queda é maior ou caímos numa armadilha. Quebras de energia próprias do desgaste do choque. Mais tarde ou mais cedo, alguém nos ajuda a tratar das feridas e o tempo e os curativos acabam por secá-la, deixando "apenas" uma cicatriz que não nos impedirá de continuar a caminhar.

Reconstruir a casa destruída pela tempestade. Fazer obras, aplicar investimentos. E tudo parece novo e diferente!Igual nunca será!

Pensar em tudo, até no pormenor mais insignificante.

Buscar o infinito como um destino inevitável...


Sandra Bastos

Frases feitas

Mais do que dizer a palavra mágica é preciso senti-la!

Mais do que o corpo é o espírito que nos completa e eterniza!

Não sei amar de outra forma...

Até quando?

As imagens que me perseguem ou palavras que me sufocam por não conseguirem soltar-se. A respiração ansiosa... Algo que não sai, fica entalado na garganta.

Muito trabalho, falta de tempo... até quando?

Quero soltar as amarras, deixar sair tudo o que me oprime. Procurar o infinito com a certeza de que nunca o vou encontrar mas ficarei cada vez mais longe daquilo que me limita.

Sandra Bastos

De regresso...

Após mais de um mês afastada do blogue por motivos de trabalho, estou de regresso...

Não escreverei com a frequência desejada mas vou tentar ser mais constante.

Para trás ficou um mês recheado de intensas experiências a nível profissional.

Até já...

terça-feira, outubro 17, 2006

Sítio a divulgar: www.dominiopublico.gov.br

Caros amigos:
Convoco todos a lutarem para impedirmos um desastre!...
Imaginem um lugar onde se pode ler, gratuitamente, as obras de Machado de Assis, ou A Divina Comédia, ou ter acesso às histórias infantis de todos os tempos. Um lugar onde lhe mostrassem as grandes pinturas de Leonardo DaVinci, entre outros grandes Mestres. Em suma tudo relacionado com as Artes e Ciências da Educação. Onde vocês pudessem escutar músicas em MP3 de alta qualidade. Pois esse lugar existe!!!! O Ministério da Educação Brasileiro disponibiliza tudo isso, basta aceder ao site: www.dominiopublico.gov.br Só de literatura portuguesa há 732 obras! Estamos em vias de perder tudo, pois vão desactivar o projecto por desuso, já que o número de acesso é muito pequeno. Vamos tentar reverter esta desgraça, divulgando e incentivando amigos, parentes e conhecidos, a utilizarem essa fantástica ferramenta de propagar a cultura e do gosto pela leitura/conhecimento.

António Alfredo Monteiro

quarta-feira, outubro 04, 2006

Devaneio

A imagem de sempre: o mundo devastado pela guerra.

Da miséria surge um rosto taciturno... olha-me, estende-me a mão como se fosse a única salvação.

Regressou para me levar. Liberta-me. Deixar a calamidade rumo a um lugar seguro.

Caminhamos juntos, sem largar a mão... não sei nada, apenas o amor.

terça-feira, outubro 03, 2006

Alguém que nos compreende

Nada nesta vida acontece por acaso... mas foi o acaso que traçou o retrato do meu presente ... anos antes de eu ter nascido.
Encontrei-me numa leitura, sem imaginar que me procurava.
Felizmente, nesta vida nunca perdemos a esperança de nos surpreendermos!
Partilho convosco parte do meu achado, a outra parte espera-vos durante a leitura e aí eu já não serei nada... entramos no mundo da poesia e de nós próprios.

"Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão em leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!"

Miguel Torga
Livro de Horas

segunda-feira, outubro 02, 2006

Workshop de Gestão

A semana passada fui obrigada a estar presente num workshop, na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, intitulado “O Choque Tecnológico na Perspectiva da Gestão de Recursos Humanos”. Apesar de só ter estado lá algumas horas, aprendi algumas coisas. Pegando nas minhas notas…

A directora de Recursos Humanos da Microsoft Portugal, Paula Carneiro, falou no desafio da inclusão digital e na qualificação dos recursos humanos. “Quem não acede às tecnologias de informação fica excluído da sociedade”. Enquanto que nos séculos XIX e XX a alfabetização era fundamental, neste século passam a ser indispensáveis as competências em tecnologias da informação.

Augusto Lima apresentou o programa TII – Tecnologia, Inovação e Iniciativa que tem como objectivos reintegrar os desempregados do sector têxtil e evitar situações de exclusão (hoje as pessoas iletradas são aquelas que não dominam a tecnologia) através de acções de formação.

Para quem ainda não sabe o sector têxtil está numa situação muito complicada, nomeadamente na região do Vale do Ave, no norte do país, onde residem 50% dos desempregados deste sector. A maioria são mulheres e pessoas com mais de 45 anos com habilitações equivalentes ao primeiro ciclo. A solução passaria pela adaptação das empresas à evolução do consumidor, ou seja, um novo desafio para a indústria.

“Para a mudança tem de haver confiança na gestão para que os objectivos sejam atingidos”.


Nota: não desvalorizando as questões importantes que se debatem neste tipo de eventos e a quantidade de novos conhecimentos que adquirimos, o que eu mais gosto nestas experiências são aquelas pastinhas muito bonitas (normalmente oferecidas pelos bancos patrocinadores) que trazem um caneta, umas folhinhas em branco e claro, o diploma que, se me lembrar, devo levantar um dia…

quinta-feira, setembro 28, 2006

Crítica Literária: Os Seis

"Ao ler Os Seis e fazendo já uma “leitura nas entrelinhas” é inevitável não questionar o valor da amizade e dos verdadeiros amigos – aqueles que resistem e conseguem aceitar-nos mesmo quando não tomamos as decisões mais acertadas, mesmo quando não damos notícias, estamos longe, … aqueles que resistem a tudo e de quem nos lembramos a propósito de tudo e de nada, aqueles que nos marcam com sorrisos e com lágrimas. (...)

Por tudo isto, no teu romance, a simplicidade de estilo não coincide de forma alguma com um enredo ligeiro. Mesmo o leitor mais desatento não tem dificuldade em identificar o existencialismo e a reflexão sobre a fragilidade humana que está presente nas tuas obras, não sendo Os Seis excepção.

O recurso a frases curtas, o discurso suspenso, o aparente excesso de pontuação ao invés de aparentar fragmentação ou incoerência, estimula a pausa, convida à reflexão e implica o leitor no que lê. Leva-o à leitura subentendida, à vivência dos factos.

As seis personagens da obra aparentemente muito semelhantes (na idade, na experiência, no meio), acabam por ser muito mais que um estereótipo e permitir ao leitor ver em cada uma delas traços de si próprio ou do adolescente que foi.

Os factos narrados, o relacionamento entre as personagens, as condicionantes quer da aproximação quer do afastamento, o desmembramento do grupo, a amizade real ou aparente, os triângulos amorosos, a valorização da beleza física, as aparências, o divórcio são temas muito actuais que conferem muita importância ao romance e o tornam verosímil. Deste modo, elogio muito a realidade maior, que pelo estilo, pelo suspense, pelas interrogações retóricas, (etc) desperta no leitor o oculto e lhe abre os horizontes. Sou adepta de leituras profundas que me obriguem a pensar, a reviver factos passados, me inquietem e a tua obra, apesar de achar que podia ser mais desenvolvida, permite o envolvimento necessário e obriga à reflexão.

Quando digo que a tua obra podia ser mais desenvolvida, refiro-me sobretudo ao facto de teres criado um enredo rico e dotado as tuas personagens de muita vida própria para depois apresentares o rumo dos factos de uma forma demasiado simplista e cortares, de certa forma, o raciocínio ao leitor.

Deixo-te aqui um desafio, um apelo, incentivo… o que lhe quiseres chamar! Não tenhas receio de escrever obras mais volumosas… N’ Os Seis criaste um enredo que te permite escrever, escrever e escrever… e tu és capaz disso… Acabei de ler a obra e fiquei com vontade de ler mais… continuar a lê-la. É uma crítica positiva… significa que estás no bom caminho, que os teus escritos são muito superiores a muita literatura que inunda as nossas livrarias e que deves ousar escrever obras mais densas.

Enumero agora alguns aspectos menores:
Não percebo o motivo de realçares muito a beleza física das tuas personagens femininas, se bem que são aspectos muito valorizados pelos adolescentes (daí a tua opção se calhar).

Recorreste por vezes ao calão e a uma linguagem mais popular que a meu ver não se identifica muito com a tua escrita. Refiro alguns exemplos: “merda”; “enfardava”; “seu filho da puta”; “caralhos”; “que se fodesse” (esta última atribuída ao Rui, uma personagem com uma conduta exemplar.

Para terminar, dou-te os parabéns pelo teu trabalho.
Continua que os bons leitores agradecem."

Esperança Martins

Crítica Literária aOs Seis

A minha amiga Esperança, também colaboradora assídua deste blogue, teve o cuidado de ler atentamente o meu livro e fez-lhe a respectiva crítica literária.

Tenho a agradecer-lhe o muito trabalho e tempo que dispensou com as minhas palavras. Muito obrigada!

Vou publicar parte do texto que ela me enviou...

A Esperança é licenciada em Português, Latim e Grego (se não estou em erro), e actualmente está a fazer um doutoramente na Universidade de Aveiro.

segunda-feira, setembro 25, 2006

A praxe, o ensino superior, o mercado de trabalho

Enquanto que na UM sou bombardeada pelos gritos da praxe, tropeço nas capas negras dos doutores do 3ºano (quem diria...), e claro, nos coitados dos caloiros metidos em cenas tristemente divertidas, penso no panorama nacional do ensino superior.

Segundo o Portal do Governo, o número de candidatos ao ensino superior público aumentou 4% em relação ao ano passado. Foram colocados na primeira fase 86%, ou seja, 34860 estudantes. Para a segunda fase estão ainda disponíveis 11687 vagas.

Paralelamente o ensino superior privado tem vindo a perder, desde 1996, 30 mil alunos, sendo cerca de 15 mil só nos últimos dois anos.

Apesar de aparentemente o acesso ao ensino superior estar mais facilitado, a sua sobrevivência passa por maiores dificuldades: "o anúncio é que haverá um corte de 6,2 por cento no orçamento de funcionamento em termos nominais. Este valor pode corresponder, em termos reais, a um corte de oito a dez por cento". (Público) As consequências vão ser sentidas por professores e alunos. Os despedimentos tendem a crescer no ensino superior público, "onde há uma grande percentagem de docentes com contratos a prazo". Quanto aos alunos, é provável que tenham de pagar propinas ainda mais altas para "colmatar o orçamento previsto para cada instituição".

Mas o que me chamou a atenção quando vi o movimento da praxe nem foi tanto a crise que ameaça as universidades e politécnicos, mas antes a crise do mercado de trabalho. Fico com a ideia de que andamos todos enganados. Entramos felizes para a universidade, fazemos o curso com todo o entusiasmo (não é o meu caso, infelizmente) e depois, quando saímos, percebemos que não há nada do que nos prometeram a vida inteira, não há a realização profissional, o emprego para o qual estudamos... uma ilusão alimentada pelo ambiente que nos rodeia que se desfaz logo na procura de trabalho.

domingo, setembro 24, 2006

A propósito do casamento...

Acabei de ler "Casamento sem alianças" no blogue do fotojornalista Luiz Carvalho.

"Cada um traz consigo as alianças perdidas que acabam sempre por aparecer, nem que seja para fazer de símbolos um sentido que a vida muitas vezes não traz."

Vejam em Instante Fatal

Florinda

(...) Florinda era a típica mulher quase fatal. (...)

Florinda fora prendada com um rosto bonito, onde reluziam os olhos azuis mas faltava o cabelo loiro. Tal carência depressa passou a um desespero que se transformou numa angústica insuportável que martelava dia e noite na cabeça ou no espelho da beldade.

Um dia, uma ideia despertou no seu cérebro, festejada à exaustão durante uma semana, e, após conseguir, com algum esforço, outra ideia para pôr a primeira em prática, Florinda lá apareceu com o cabelo pintado de amarelo.




Uma tentativa minha, naturalmente frustrada (esqueci-me de um grande pormenor), de criar a personagem Florinda

Harriet



"(...) e, além disso, era esperar demasiado, mesmo de Harriet, que ela pudesse amar mais de três homens por ano."

Jane Austen, em "Ema"

Declaração de Mr. Knightley


"- Não sei fazer discursos, Ema (...) Se a amasse menos talvez pudesse dizer mais coisas. Mas a Ema sabe como sou. De mim não ouvirá senão a verdade. Censurei-a e repreendi-a, e a Ema suportou tudo isso como mais nenhuma mulher em Inglaterra o teria suportado. Perdoe as verdades que agora lhe digo, querida Ema, como tem perdoado outras. O modo como são ditas talvez pouco as recomende. Deus sabe que tenho sido um apaixonado bem pouco atencioso. Mas compreenda-me... Sim, bem vê, deve compreender os meus sentimentos... e retribuí-los-á se puder. Por enquanto, só peço que me deixe ouvir a sua voz, uma vez que seja."

Jane Austen, em "Ema"

Pobre Mr. Elton

"Ema, então, considerando a delicada posição do pobre Mr. Elton, que se encontrava, simultaneamente, na presença da mulher com quem acabava de casar, da mulher com quem pretendera casar e da mulher com quem haviam pretendido casá-lo, compreendou, no seu foro íntimo, que devia ter-lhe concedido o direito de se mostrar tão desastrado e comprometido como realmente era de esperar."

Jan Austen, em "Ema"

O resto do jantar

"Serviu-se a sobremesa, entraram as crianças, que foram admiradas e animadas no meio do habitual estilo de conversação, disseram-se algumas coisas com acerto, disseram-se outras sem acerto algum, mas em proporção muito aproximada umas das outras - nada mais do que observações da vida corrente, lugares-comuns, notícias já velhas e gracejos pesados."

Jane Austen, em "Ema"

Desabafo de Ema



"- Não quero senão bem a Jane Fairfax, mas estou mortalmente enjoada dela."

Jane Austen, in Ema

"Redução de custos" no Público

Para minha infelicidade e da humanidade em geral, o Público está empenhado em "reduzir os custos fixos em 15 por cento", no âmbito de uma “política de renovação e reestruturação” em curso no jornal. O plano de redução de custos passa, naturalmente, por “uma redução negociada do quadro de pessoal, a qual já permitiu rescindir contratos com cinco por cento do total de trabalhadores existentes no final de 2005”.

A empresa do Público justifica esta decisão com os fracos resultados negativos que "têm vindo a afectar a imprensa diária” (perda de circulação e quebra nas receitas publicitárias).

Segundo o JN, estima-se que esta medida vai afectar "cerca de 30 pessoas. Pelo menos no Porto a proposta foi feita a oito jornalistas. A delegação de Coimbra ficará reduzida a uma redactora. O corpo editorial é constituído, neste momento, por 140 profissionais."

sábado, setembro 23, 2006

Edição Crítica de Fernando Pessoa


A propósito de Fernando Pessoa, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda editou o sétimo volume da Edição Crítica de Fernando Pessoa, com o título editorial: Escritos sobre Génio e Loucura.

Quase todo o material era inédito, daí a sua importância. As investigações foram feitas pelo colombiano Jeronimo Pizarro, entrevistado pelo Expresso na edição desta semana.

"A importância do tema da loucura em Fernando Pessoa foi reconhecida por diversos estudiosos da obra do poeta e motivou alguns breves ensaios. Numa relação directa com o tema, surge quase sempre como necessária a questão da heteronímia." Pessoa terá partido do princípio de que "o génio está do lado da anormalidade - da anormalidade social, na medida em que é um inadaptado, e da anormalidade psíquica, na medida em que tem origem no ciclo bipolar da exaltação e da depressão." (Expresso)

Reabertura do Teatro Circo de Braga



É com grande felicidade que informo os que ainda não sabem que o Teatro Circo de Braga vai reabrir em breve, após muitos anos de obras.

Assim, no dia 27 de Outubro, os convidados da autarquia e, provavelmente, o primeiro-ministro e a ministra da Cultura, poderão ouvir a Orquestra Sinfónica Nacional Checa, num teatro a sério com 15 pisos! Os pormenores do edifício e dos montantes envolventes podem ser consultados no Google Notícias de Portugal.

"Tirando o concerto de abertura, não vai haver borlas para ninguém. Até eu, se quiser assistir a um espectáculo, terei que pagar bilhete", disse Mesquita Machado, presidente da Câmara de Braga, ao JN, acrescentando que esta será "a segunda maior obra de Braga. Se calhar, de toda a sua história, incluindo a época romana".

O Teatro Circo vai ter uma agenda cultural própria e uma programação dedicada a determinados países. O Brasil é o primeiro contemplado. A agenda completa até ao final do ano em Programação do Teatro Circo.

Carta de Despedida

Há mais de um mês que adio estas palavras e há algumas semanas que hesito em escrevê-las apesar de saber que são inevitáveis. Não é por fugir da realidade mas por achar que talvez não fossem necessárias. Hoje tornou-se impossível fechá-las em mim.

Só guardo boas recordações tuas. Uma amizade talvez para toda a vida. Momentos fantásticos, onde partilhamos emoções, ideias, conhecimentos, sentimentos, dúvidas… Caminhei perto de ti tanto tempo que me custa imaginar-te longe dos meus passos. Falo e falarei de ti como amigo. Porque isso sempre foi o mais importante para além de qualquer ilusão, de qualquer desejo de intensificar algum sentimento mais especial. Tenho a tua amizade, que guardarei comigo como um bem precioso, esteja onde estiver.

Como não tenho nada de novo para te dizer além de que esta é a última vez que te escrevo, que o meu sentimento se esgotou, sem que alguma coisa o aniquilasse, apareceu de repente e quase da mesma forma desapareceu, sem saber muito bem como, tão naturalmente como o envelhecimento dos seres vivos.

Em tua homenagem revejo o que escrevi, talvez o que senti ou julguei, por breves instantes, sentir. A expressividade do teu rosto que hoje nada mais me lembra do que um semblante talvez simpático. Terás um olhar sedutor mas não mais para mim. Certamente continuarás a atrair muitos corações ou apenas instintos femininos! Continuo a achar que tens uma personalidade forte, que és muito seguro e confiante mas confesso que não tanto como imaginava. Talvez achasse que não tinhas pontos mais frágeis, mas tens, como toda a gente. És muito virtuoso, mas há tantos artistas de nível igual ou mesmo superior. Mesmo que não transpirasses tanto talento, continuavas a ser especial. Reparei também que por vezes o teu cérebro se deixa dominar pelo coração. És humano, felizmente!

Nunca cheguei a saber se conhecias o Nocturno do Sonho de Uma Noite de Verão. Estar contigo foi o meu sonho em muitas noites deste Verão, que termina nesta madrugada. Chamei por ti mas não me ouviste. Não consegui ouvir a tua música fundida na orquestra da sociedade. Sabia que estavas lá mas não distinguia o teu som entre tantos. Pois claro, o nome do instrumento… Seria mais um violino entre tantos os outros? A delicadeza de uma harpa? Ferrinhos? Viola? Ok, nem se ouve na orquestra, coitadinho!

Comecei a falar de ti às três da madrugada e acabo quase à mesma hora! Mas desta vez já não me perco a falar de ti. Muito menos a esperar e a procurar-te na paisagem da multidão.
Já não estás aí porque perdeste a paciência para me ouvires. De facto perdi muitas horas mergulhada na complexidade no teu ser. Valeu a pena, fiz muitos progressos na minha capacidade de análise! Consegui perceber, mais ou menos, como funcionas e até nem fiquei decepcionada. Só que talvez não sejas o que procuro, se é que procuro algo!

Descobri também que não és indiferente ao mundo dos afectos, que também não escapaste ao vulcão em actividade, a ferver, a incendiar o que ainda não ardeu! Serás mais um príncipe do nada, metido com um princesa igualmente inútil. Não sei, nem quero saber, porque no fundo são todos iguais, homens e mulheres, a par com a inutilidade que corrompe a réstia de humanidade, o romantismo talvez ainda mais improfícuo. Por isso a treta da virilidade ainda é terrivelmente tão estúpida como eu ao perder tempo a debater a superfície do ego masculino.

E se realmente vieres a ser eleito rei de qualquer esterco, apenas emigrarei sem preparar revolução alguma porque mesmo que sejas corrompido à exaustão será impossível eliminarem o teu âmago íntegro e afável.

Confesso que esperava mais de ti. Mas também é um grande defeito meu esperar mais das pessoas do que elas podem e são capazes de dar e ser. Nada do que disse abala a nossa amizade. Não tens culpa de eu pensar que tinhas mais valor para mim do que realmente tens.
As respostas que procuras não sou que tas vou dar. E agora acho que nem as minhas tas posso encarecidamente oferecer. Acho que nem as minhas a mim mesma consigo dar.

Espero que as nuvens não estejam furadas nem o teu anjo da guarda faça greve. Não quero ver a tristeza dos teus olhos a contagiar o teu rosto, a tua alma. Quero que os teus passos sejam seguros e que o teu coração tenha a capacidade de se refazer das mágoas, as feridas curadas com anestesia e o sistema imunitário na máxima força.

A esta hora estás tu mergulhado nos sonhos, na certeza de que vais ser alguém. . Se tivesse a ilusão dos dezoito anos seria possível acreditar que eras um anjo, assim fico-me pela ideia que, até prova em contrário, és um tipo porreiro que merece ser feliz, mesmo sem asas nem auréola nem aquela fatiota branca.

Continuo a querer que os teus passos te levem ao possível do impossível. Ficar-me-ei pela fila dos amigos que te aplaudem, no grande auditório do mundo, porque a tua vida ainda agora começou… e a mim só me resta dizer-te que amar-te-ei sempre mas sempre (e apenas) como amiga, aliás, como sempre o fui.

Fica bem e sê mesmo muito feliz!

Sandra Bastos

sábado, setembro 16, 2006

Nota biográfica, escrita por Fernando Pessoa


Nome completo: Fernando António Nogueira Pessoa.

Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.º 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório) em 13 de Junho de 1888.

Filiação: Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira. Neto paterno do general Joaquim António de Araújo Pessoa, combatente das campanhas liberais, e de D. Dionísia Seabra; neto materno do conselheiro Luís António Nogueira, jurisconsulto e que foi Director-Geral do Ministério do Reino, e de D. Madalena Xavier Pinheiro. Ascendência geral: misto de fidalgos e judeus.


Estado: Solteiro.

Profissão: A designação mais própria será «tradutor», a mais exacta a de «correspondente estrangeiro em casas comerciais». O ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação.

Morada: Rua Coelho da Rocha, 16, 1º. Dto. Lisboa. (Endereço postal - Caixa Postal 147, Lisboa).

Funções sociais que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos, ou funções de destaque, nenhumas.


Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações ocasionais. O que, de livros ou folhetos, considera como válido, é o seguinte: «35 Sonnets» (em inglês), 1918; «English Poems I-II» e «English Poems III» (em inglês também), 1922, e o livro «Mensagem», 1934, premiado pelo Secretariado de Propaganda Nacional, na categoria «Poema». O folheto «O Interregno», publicado em 1928, e constituído por uma defesa da Ditadura Militar em Portugal, deve ser considerado como não existente. Há que rever tudo isso e talvez que repudiar muito.

Educação: Em virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas núpcias, com o Comandante João Miguel Rosa, Cônsul de Portugal em
Durban, Natal, foi ali educado. Ganhou o prémio Rainha Vitória de estilo inglês na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15 anos.

Ideologia Política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a
Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes, votaria, embora com pena, pela República. Conservador do estilo inglês, isto é, liberdade dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reaccionário.

Posição religiosa:
Cristão gnóstico e portanto inteiramente oposto a todas as Igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria.

Posição iniciática: Iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta)
Ordem Templária de Portugal.

Posição patriótica: Partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida toda a infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um
sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: «Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação».

Posição social:
Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.

Resumo de estas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir
Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.

Lisboa, 30 de Março de 1935 [no original 1933, por aparente lapso]

Se depois de eu morrer

"Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza."

Alberto Caeiro

Alberto Caeiro


Alberto Caeiro da Silva nasceu em 1889, em Lisboa, onde mais tarde viria a falecer, em 1915, vítima de tuberculose. Não obstante a sua origem urbana, é conhecido pela sua expressão rural, tendo sido pastor numa quinta do Ribatejo.

Partindo do princípio de que nada existe para além do que se vê, Alberto Caeiro cultiva uma espécie de “filosofia do não filosofar”. A sua obra poética é marcada pela contemplação da natureza através dos sentidos, procurando “sentir as coisas simples da vida com maior intensidade”.

“Mesmo assim, enquanto tenta provar que não intelectualiza nada, é o que mais intelectualiza entre as personalidades pessoanas, parece usar o raciocínio sem querer demonstrar isso. Daí ser o mais infeliz, por restringir o mundo, além de fugir do progresso e a ele renunciar.” (Batista de Lima in «Jornal da Poesia»)

segunda-feira, setembro 11, 2006

Chamo-te sem saber quem és

Estou sentada na areia fina de uma praia. Sinto o cheiro da água salgada, a brisa que enrodilha o meu cabelo enquanto me deixo levar pela contemplação do pôr-do-sol. Uma luz forte mas que não fere, atinge o meu âmago, faz-me esquecer quem sou, onde estou e para onde vou.

Longe de mim mesma mergulho nas divagações ensombrada por uma imagem que caminha pelo mar rebelde. É um homem que transpira beleza mas no qual se distingue um olhar triste. Olha distraído para o chão à procura dos sentimentos que perdeu algures entre a multidão. Vejo-lhe a alma, nítida pela transparência do seu corpo, leio-lhe os pensamentos… que diferente ele é! Tão puro e disposto a ser corrompido!

Chamo-o sem saber que nome tem. Não me ouve com a concentração em coisas inúteis mas sentimentais, ingénuas mas compreensíveis. Não insisto até porque me faltam as forças, a voz enfraquecida… Mas porquê chamar uma pessoa que não me ouve? Que passa por mim e nem me vê? Outros hão-de vir, outros passarão, quem sabe se ficam para me ouvir um pouco e haja algum que acabe por ficar para sempre.

O que mais me impressiona é a minha calma talvez indiferente. Como não me preocupa se não me ouvem! Se os meus gritos fazem eco no oceano mas não são perceptíveis ao ouvido humano.
Como é boa a vida e bonito o pôr-do-sol! A luz que ilumina mas não fere!

Amo-te! A ti que não conheço nem sei quando vou realizar o sonho de te conhecer. A ti, que és o único que dispensará os meus gritos para me ouvir, que não precisará que o chame para me poder ver. A ti que amarei para além das minhas forças e que não precisarei de provar até onde poderei ir para te fazer feliz! A ti que caminhas no deserto da multidão à procura da intensidade do momento, do melhor que o pior pode ter. A ti que tens o que os outros não têm. A ti que bastará um olhar para sentir o quanto me amas.

Continuo à tua espera… mesmo que ainda estejas do outro lado do oceano e que ainda seja demasiado cedo para nos amarmos… mesmo que ainda tenhamos de conhecer muitas pessoas erradas até termos a certeza de que fomos feitos um para o outro.

Sim, serás músico. Qual é o teu instrumento? Eu sabia que adoravas o concerto para violoncelo de Elgar, que a trompa te ia encantar e que o fagote era irresistível. Todos os outros apenas servem para nos acompanhar…

quarta-feira, agosto 30, 2006

Criação de Alberto Caeiro

«... lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucolico, de especie complicada, e apresentar-lh’o, já não me lembro como, em qualquer especie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma commoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa especie de extase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triumphal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um titulo, “O Guardador de Rebanhos”. E o que se seguiu foi o apparecimento de alguem em mim, a quem dei logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da phrase: apparecera em mim o meu mestre.»

Fernando Pessoa

quarta-feira, agosto 09, 2006

Se alguém bater um dia à tua porta

"Se alguém bater um dia à tua porta,
Dizendo que é um emissário meu,
Não acredites, nem que seja eu;
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.

Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho do que desespera.
Abre a quem não bater à tua porta!"

Fernando Pessoa

terça-feira, agosto 08, 2006

A nossa Herança!

Herdámos uma grande casa,
a grande casa do Mundo.
Na qual devemos conviver.

Negros, brancos,
ocidentais e orientais,
hebreus, não hebreus
católicos e protestantes,
muçulmanos e hinduístas.

Uma família que, injustamente, está dividida
por ideias, culturas e interesses.

Dado que já não podemos viver separados.
Devemos aprender a conviver em paz.

TODOS OS HABITANTES DO MUNDO SÃO VIZINHOS.


Martin Luther King

segunda-feira, agosto 07, 2006

Desabafo de um coração apertado!

Sem pressa partiu cheio de esperança e entusiasmo. Pelo caminho a vontade esmoreceu e com ela a nitidez da chegada. A cada passo o espectro da sombra de um louco a perturbar as emoções e a causar medo...

Com ele leva uma vida feita de sonhos, uma humanidade cansada e as feridas do tempo cruel. Os seus olhos, marcados pela tristeza, olham no vazio a cada passo que dá. Mil pedaços de nada preenchem o seu coração oprimido pela aridez do chão que pisa.

Lá vai, caminha desmotivado rumo a um lugar que sabe que não existe, procura uma certeza que o aprisiona por ser incerta e adormece no meio da estrada sem a vontade de acordar para retomar o caminho.

Em busca de descanso apenas, esbarra com uma vida repleta de felicidade que o procura em sonhos durante o sono.... mas ele apenas queria dormir... já lhe faltava a força para voltar a acreditar.


Esperança Martins

sexta-feira, agosto 04, 2006

Isto é mesmo divagar...

Bem, a ausência de textos meus, alguns que até parecem muito pessoais (se forem realmente sinceros), prende-se com o facto de estar concentrada no meu novo livro. Mas numa vaga poderá surgir alguma coisa... quem sabe! Depende do tempo, sempre tão incerto e escasso. Tantos planos e na prática o cansaço apodera-se de mim, aniquilando os restos de energia.

Amanhã tenho de me pôr a pé mais cedo, sabe-se lá porquê. Os sonhos e as ilusões comandam a vida. Até que se desfaçam em desilusões, até cairmos na realidade, até aterrarmos.

Amigas, nada está perdido. Acreditem que a solução está em nós mesmas. A força de que precisamos, a vontade em continuar a lutar mesmo que seja por sonhos absurdos... isso está cá dentro e ninguém nos pode tirar. E depois há a maravilhosa paisagem da natureza também humana. Um gelado delicioso, uma boas gargalhadas e tudo parece ficar bem. E fica, sem esses momentos únicos de diversão e lazer que seria da nossa vida? Uma miséria.

Sabem a liberdade é uma coisa tão... fundamental. Que prazer supera usarmos os nossos próprios neurónios? Não depender de ninguém para falar ou dar a resposta certa. Imagina se vivessemos numa ditadura. Mais frequente, numa relação ditatorial. Oh, não podias dizer nada sem que passasse primeiro na censura. Não te rias, conheço tantos exemplos. Sei bem do que estou a falar. Talvez infelizmente.

Sim, amigas, eu sei dessa treta toda e só não vos apresento estatísticas porque não vos quero desanimar. Vós não mereceis sofrer. Tendes o direito, a obrigação de lutar pelos vossos sonhos. Queria sonhar como vós, mas não consigo. A realidade aniquila esses sonhos. Resta-me um... ser feliz!

E se a liberdade me traz tanta felicidade, que valor seria superior à minha querida liberdade?
Não, desculpem mas não acredito. Neste caso sou como Tomé, só vendo... ou vivendo.

Isto tudo a propósito da minha concentração no meu livro e na falta de textos originais neste blogue... oh como não resisto a uma divagação...

E tu, devias pensar também em conquistar os outros... em geral, claro. Porque isso de estares habituado a que todos te façam a corte não te prepara para as adversidades. Um dia as coisas podem ser diferentes. Mas, sabes, tens toda a razão, há que ser rei enquanto houver monarquia, depois se vier a república tu lá arranjarás uma solução para sobreviveres. Desculpa, sou mesmo republicana por isso recuso-me a fazer-te uma vénia. E com tantos súbditos a ajoelharem-se perante ti, certamente nem te vais aperceber que preparo um golpe de estado para te tirar essas mordomias. Em último caso, se não assistir à revolução peço o exílio antes de fazeres de mim uma presa política. Ok, és um bom rei. Vaidoso mas inteligente. Devo exagerar. E a monarquia, bem lá no fundo do fundo, deve ter algo de positivo. Quem sabe se não és um novo D. Sebastião que vai surgir no nevoeiro para salvar a pátria?

Nessa nem vendo acreditaria... Há coisas que nem mesmo se as apalparmos nos parecem reais. É hora... de dormir. E também despertar para as injustiças. Oh, se este mundo fosse mesmo bom... se tipos como tu nunca chegassem a reis... se as pessoas estúpidas pensassem... e se os neurónios estivessem no coração...

Sandra Bastos

quinta-feira, agosto 03, 2006

O amor, quando se revela...

O amor, quando se revela...

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Fernando Pessoa

Quando estou só reconheço

"Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.


E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.


Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por cousa esquecida."

Fernando Pessoa

quarta-feira, agosto 02, 2006

Segue o teu destino

"Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam."

Ricardo Reis

Assim se escreve em bom português!!!

Preciosismos da língua
É possível que o leitor esteja a ler este artigo agora na sua cama, com a ajuda dos seus nasóculos e à luz suave de um lucivelo. Os artigos escritos pelos alvissareiros misturam-se, harmoniosamente, aos preconícios que louvam as virtudes de sortidos produtos. Está calor neste final de primavera, e decerto o nosso leitor não retira há muito tempo da sua gaveta o focale que lhe aquece o pescoço no frio. E provavelmente terá reparado como é grande, nos últimos tempos, o número de ludâmbulos que, vindos de outros Estados e até de outros países, se abalam a conhecer os encantos da cidade.


Baseado em Castro Lopes – Neologismos Indispensáveis e Barbarismos Dispensáveis

segunda-feira, julho 31, 2006

Já não me importo

"Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.


Nada me resta
Do que quis ou achei.
Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda irei.


Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou,


Fito a gente
Que me rodeia e sempre rodeou,


Com um olhar
Que, sem o poder ver,
Sei que é sem ar
De olhar a valer.


E só me não cansa
O que a brisa me traz
De súbita mudança
No que nada me faz."


Fernando Pessoa

Cartas de Amor

"Todas as cartas de amor são
Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas)."

Álvaro de Campos

sexta-feira, julho 28, 2006

Liberdade

Liberdade


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.


O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...


Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.


Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!


Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.


O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa

quarta-feira, julho 26, 2006

Um olhar consciente sobre a vida

Depois de algum tempo percebes a pequena diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma.

Aprendes que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começas a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas.

Começas a aceitar as tuas derrotas com a cabeça erguida e os olhos ao largo, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.

E aprendes a construir todas as tuas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de ser traiçoeiro.

Depois de um tempo, aprendes que o sol queima se lhe ficares exposto por muito tempo. E aprendes que não importa o quanto te importas, algumas pessoas simplesmente não se importam...

E aceita que não importa o quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e precisas de perdoá-la por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.

Descobres que se demora anos para se ganhar confiança e apenas segundos para destruí-la, e que podes fazer coisas num instante, das quais te arrependerás para o resto da tua vida.

Aprendes que as verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que tens na vida, mas quem tens na vida. E que os bons amigos são a família que nos permitiram escolher.

Aprendes que não temos que mudar de amigos se compreendermos que os amigos mudam, percebes que os teus amigos e tu podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.

Descobres que as pessoas com quem mais te importas na vida são levadas muito depressa, por isso, sempre devemos dizer às pessoas que amamos palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos.

Aprendes que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos. Começas a aprender que não te deves comparar com os outros, mas com o melhor que podes ser.

Descobres que se demora muito tempo para se tornar a pessoa que se quer ser, e que o tempo é curto. Aprendes que não importa onde já chegaste, mas onde queres chegar, mas se não sabes para onde vais, qualquer lugar serve.

Aprendes que, ou controlas os teus actos, ou eles te controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.

Aprendes que os heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as consequências. Aprendes que paciência requer muita prática.

Descobres que algumas vezes a pessoa que esperas que te vire as costas quando cais é uma das poucas que te ajuda a levantar.

Aprendes que a maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que aprendeste com elas do que com quantos aniversários celebraste.

Aprendes que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são enganos, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. Aprendes que quando estás com raiva tens o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de seres cruel.

Descobres que só porque alguém não te ama do jeito que queres que ame, não significa que esse alguém não te ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.

Aprendes que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes tens que aprender a perdoar-te a ti mesmo. Aprendes que com a mesma severidade com que julgas, um dia serás condenado.

Aprendes que não importa em quantos pedaços o teu coração foi partido, o mundo não pára para que o consertes. Aprendes que o tempo não é algo que possa voltar para trás.

Portanto, planta o teu jardim e decora a tua alma, em vez de esperares que alguém te traga flores.

E aprendes que realmente podes suportar... que realmente és forte, e que podes ir muito mais longe...

Baseado em Shakespeare

terça-feira, julho 25, 2006

Para os amantes de Fernando Pessoa

Deixo aqui algumas das muitas obras de e sobre Fernando Pessoa.

Bibliografia
Do Poeta
Livros e colectâneas de poesia publicadas em vida do autor:

35 sonnets, by Fernando Pessoa, Lisbon, Ed. Monteiro Co.1918.

Antinous, a poem by Fernando Pessoa, Lisbon, Ed. Monteiro e Co., 1918.

English Poems I-II by Fernando Pessoa, Lisbon, Olisipo, 1921.

English Poems III, Lisbon, Olisipo, 1921. Mensagem, Parceria António Pereira, Lisboa, 1934.

Obras publicadas após a morte do autor:

Obra poética Obras Completas de Fernando Pessoa, col.«Poesia», Lisboa, Ed. Ática.

Poesias de Fernando Pessoa,1ªed. 1942

Poesias de Álvaro de Campos, 1ªed. 1944

Poemas de Alberto Caeiro, 1ªed. 1946

Odes de Ricardo Reis, 1ªed.1946

Mensagem, Fernando Pessoa, 3ªed. 1945

Poemas Dramáticos, de Fernando Pessoa, 1ªed 1952

Poesias Inéditas de Fernando Pessoa (1930-1935), 1ªed. 1955

Poesias Inéditas de Fernando Pessoa (1919-1935), 1ªed. 1956

Quadras ao Gosto Popular de Fernando Pessoa, 1ªed. 1965

Novas Poesias Inéditas, de Fernando Pessoa, 1ªed.1973

Poemas Ingleses publicados por Fernando Pessoa, 1ªed. 1974

Obra Poética de Fernando Pessoa, Lisboa, Publicações Europa-América, 1986

O Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro, edição fac-similada, Lisboa, Ed Dom Quixote, 1986

Primeiro Fausto, São Paulo, Edições Epopeia, 1986.

Obra em Prosa e Epistolografia:

A Nova Poesia Portuguesa, Lisboa, Inquérito, 1944

Cartas de Amor de Fernando Pessoa , Lisboa, Ed. Ática, 1ªed., 1978

Cartas de Fernando Pessoa a Armando Cortes Rodrigues, 3ªed., Lisboa, Livros Horizonte, 1985

Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões, 2ªed., Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1982

Da República, Lisboa, Ed. Ática 1ªed. 1979

Fernando Pessoa - O Comércio e a Publicidade, Lisboa, Ed. Cimevoz/Lusomédia, 1986.

Livro do desassossego por Bernardo Soares, Lisboa, Ed. Ática,1982, 2vol.

Obra em Prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1974.

Obras em Prosa de Fernando Pessoa, Lisboa, publicações europa-América, 1987.

Escritos Íntimos, Cartas e Páginas Auto-Biográficas;

Textos de Intervenção Social e Cultural - A ficção dos Heterónimos;

Livro do Desassossego por Bernardo Soares, I parte;

Livro do Desassossego por Bernardo Soares, II parte;

Ficção e Teatro - O Banqueiro Anarquista, Novelas Policiárias, O Marinheiro e Outros;

A Procura da Verdade Oculta - Textos Filosóficos e Esotéricos;

Portugal, Sebastianismo e Qinto Império;

Páginas de Pensamento Político-I (1910-1919);

Páginas de Pensamento Político-II (1925-1935)

Páginas de Doutrina Estética, Lisboa, Inquérito, 1946

Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Lisboa, Ed. Ática 1ªed. S/d

Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, Lisboa, Ed. Ática, 1ªed.1966

Sobre Portugal, Lisboa, Ed. Ática ,1ªed.1979

Textos Filosóficos, Lisboa, Ed. Ática, 1ªed.1968, 2vol

Textos para Dirigentes de Empresas, Lisboa, Ed. Cinevoz, 1969

Textos de Crítica e de Intervenção, Lisboa, Ed. Ática, 1ªed. 1980

Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, Lisboa, Ed. Ática,1ªed.1980.

Obra em Prosa e Epsitolografia A Nova Poesia Portuguesa, Lisboa, Inquérito, 1944

Cartas de Amor de Fernando Pessoa , Lisboa, Ed. Ática, 1ªed., 1978

Cartas de Fernando Pessoa a Armando Cortes Rodrigues, 3ªed., Lisboa, Livros Horizonte, 1985

Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões, 2ªed., Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1982

Da República, Lisboa, Ed. Ática 1ªed.1979

Fernando Pessoa - O Comércio e a Publicidade, Lisboa, Ed. Cimevoz/Lusomédia, 1986.

Livro do desassossego por Bernardo Soares, Lisboa, Ed. Ática,1982, 2vol.

Obra em Prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1974.

Obras em Prosa de Fernando Pessoa, Lisboa, publicações europa-América, 1987.

Escritos Íntimos, Cartas e Páginas Auto-Biográficas;

Textos de Intervenção Social e Cultural - A ficção dos Heterónimos;

Livro do Desassossego por Bernardo Soares, I parte;

Livro do Desassossego por Bernardo Soares, II parte;

Ficção e Teatro - O Banqueiro Anarquista, Novelas Policiárias, O Marinheiro e Outros;

A Procura da Verdade Oculta - Textos Filosóficos e Esotéricos;

Portugal, Sebastianismo e Quinto Império;

Páginas de Pensamento Político-I (1910-1919);

Páginas de Pensamento Político-II (1925-1935)

Páginas de Doutrina Estética, Lisboa, Inquérito, 1946 Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Lisboa, Ed. Ática 1ªed. S/d

Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, Lisboa, Ed. Ática, 1ªed.1966

Sobre Portugal, Lisboa, Ed. Ática ,1ªed.1979

Textos Filosóficos, Lisboa, Ed. Ática, 1ªed.1968, 2vol

Textos para Dirigentes de Empresas, Lisboa, Ed. Cinevoz, 1969

Textos de Crítica e de Intervenção, Lisboa, Ed. Ática, 1ªed. 1980

Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, Lisboa, Ed. Ática,1ªed.1980.


Sobre o Poeta:
ALCÂNTARA, Maria Beatriz Rosário de, Fernando Pessoa e o Movimento Futurista de Álvaro de Campos, Brasília, Ed. Fundação Waldemar de Alcântara, 1986

ALMEIDA, Luís Pedro Moitinho de, Fernando Pessoa e a Magia, Lisboa, 1959

ALMEIDA, Luís Pedro Moitinho de, Fernando Pessoa no Cinquentenário da Sua Morte, Coimbra, Coimbra Editora, 1985.

ANDRADE, João Pedro de, A Poesia da Moderníssima Geração, Porto, Livraria Latina, 1943.

ANTUNES, Manuel, Três Poetas do Sagrado: Pascoaes, Pessoa, Régio, Lisboa, 1957.

BELKIOR, Silva, Fernando Pessoa- Ricardo Reis, Ed. Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1983

BERARDINELLI, Cleonice, Poesia e Poética de Fernando Pessoa, Rio de Janeiro, 1958.

BLANCO, José, Fernando Pessoa - Esboço de Uma Bibliografia, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983

CARNEIRO, Mário de Sá-, Cartas a Fernando Pessoa, Ed. Ática, Lisboa, 1958.

CENTENO, Yvette K., 5 Aproximações, Lisboa, Ática, 1976.

CENTENO, Y.K.; Reckert, S., Fernando Pessoa - Tempo, Solidão, Hermetismo, Lisboa, Livr.Moraes, 1978.

CENTENO, Yvette, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, Lisboa, Editorial Presença, 1985

COELHO, António de Pina, Os Fundamentos Filosóficos da Obra de Fernando Pessoa, Lisboa, Editorial Verbo, 1971, 2 vol.

COELHO, Jacinto do Prado, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Lisboa, Editorial Verbo, 1963.

COELHO, Jacinto do Prado, Camões e Pessoa, Poetas da Utopia, Lisboa, Publicações Europa-América, 1984.

COSTA, Eduardo Freitas da, Fernando Pessoa- Notas a uma biografia Romanceada, Lisboa, Guimarães Editores,1951.

COSTA, Dalila Pereira da, A Nova Atlântica, Porto, Lello, 1977.

COSTA, Dalila Pereira da, O Esoterismo de Fernando Pessoa, Porto, Lello & Irmãos Editores, 1971.

DUARTE, José Afrânio Moreira, Fernando Pessoa e os Caminhos da Solidão, Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1968.

EDINGER, Catarina T.F., A Metáfora e o Fenómeno Amorosa nos Poemas Ingleses de Fernando Pessoa, Porto, Brasília editora, 1982.

FRANÇA, Isabel Murteira, Fernando Pessoa na Intimidade, Lisboa- Rio de Janeiro, Dom Quixote - Livraria Paisagem, 1987.

FREITAS, Eduardo da Costa, Fernando Pessoa- Notas a Uma Crítica Romanceada, Lisboa, Guimarães, 1951.

GUSMÃO, Manuel, O Poema Impossível - o Fausto de Pessoa, Lisboa, Ed. Caminho, 1986.

JAKOBSON, Roman; PICCHIO, Luciana, Os Oximoros Dialécticos de Fernando Pessoa, Edições 70, 1976.

JENNINGS, H.D., Os Dois Exílios, Porto, Fundação Engenheiro António de Almeida, Centro de Estudos Pessoanos, 1984.

KUJAWSKY, Gilberto de Mello, Fernando Pessoa, o Outro, S.Paulo, Centro Estadual de Cultura, 2ªed. 1973.

LENCASTRE, Maria José de, Fernando Pessoa- uma Fotobiografia, Lisboa, Ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1981.

LIND, Georg Rudolf, Teoria Poética de Fernando Pessoa, Porto, Inova, 1970.

LOPES, Teresa Rita, Pessoa por conhecer, Lisboa, Editoral Estampa, 1990, 2vol.

LOURENÇO, Eduardo, Fernando Pessoa Revisitado, Porto, Ed. Inova, 1973.

LOURENÇO, Eduardo, Fernando, Rei da Nossa Baviera, Lisboa, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1986.

MOISÉS, Carlos Filipe, O Poema e as Máscaras, Coimbra, Livraria Almedina, 1981.

MONTEIRO, Adolfo Casais, Estudos sobre a Poesia de Fernando Pessoa, Rio de Janeiro, Ed. Agir, 1958.

MONTEIRO, Adolfo Casais, Fernando Pessoa e a Crítica, Lisboa, Inquérito, 1952.

MONTEIRO, Adolfo Casais, Estudos sobre Fernando Pessoa, Rio de Janeiro, Agir,, 1958; 2ªed., Lisboa, INCM, 1985.

NEMÉSIO, Jorge, A Obra Poética de Fernando Pessoa, Salvador, Bahia, Livr. Progresso Editora, 1958.

PADRÃO, Maria da Glória, A Metáfora em Fernando Pessoa, Porto, Ed. Inova, 1973.

PERRONE-MOISÉS, Leyla, Fernando Pessoa - Aquém do Eu, Além do Outro, São Paulo, Martins Fontes, 1982.

QUADROS, António, Fernando Pessoa, Lisboa, Ed. Arcádia, 1960, 2ªed. 1984.

QUADROS, António, Fernando Pessoa - Vida, Personalidade e Génio, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2ªed., 1984.

ROSA, Pradelino, Uma Interpretação de Fernando Pessoa, Lisboa, Guimarães Editores, 1971.

SACRAMENTO, Mário, Fernando Pessoa, Poeta de Hora Absurda, Lisboa, ed. Contraponto, 1958; 2ªed., Porto, Ed. Inova, 1970.

SEABRA, José Augusto, O Heterotexto Pessoano, Lisboa,Dinalivro, 1985.

SEABRA, José Augusto, Fernando Pessoa ou o Poetodrama, Instituto Nacional-Casa da Moeda, 1988.

SENA, Jorge de, O Poeta é um fingidor, Lisboa, Ática, 1961.

SIMÕES, João Gaspar, Vida e Obra de Fernando Pessoa, Lisboa, Livraria Bertrand, 1950; 2ªed.,revista s/d.

SILVA, Agostinho da, Um Fernando Pessoa, Lisboa, Guimarães Editores, 1988.

SIMÕES, João Gaspar, Vida e Obra de Fernando Pessoa - História de Uma Geração,1ºed., Lisboa, Bertrand, 1951, 2vol.; 4ªed., 1980.

SIMÕES, João Gaspar, Fernando Pessoa- breve história da sua vida e da sua obra, Lisboa, Difel,1983.

SOUSA, Maria Leonor Machado de, Fernando Pessoa e a Literatura de Ficção, Lisboa, Ed. Novaera, 1976.

VERNEX, Jorge, A Maçonaria e Fernando Pessoa, Porto, Ed. Além, 1953.
BOAS LEITURAS!!!

segunda-feira, julho 24, 2006

Se, depois de eu morrer...

Se, depois de eu morrer...

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas --- a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.


Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem setimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza.


Alberto Caeiro

domingo, julho 23, 2006

Poema em linha recta

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possiblidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão - princípe - todos eles princípes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?

Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."

Álvaro de Campos

Não, não é cansaço...

"Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar.
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais."

Álvaro de Campos

sexta-feira, julho 21, 2006

O que há em mim é sobretudo cansaço

"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço..."


Álvaro de Campos

quinta-feira, julho 20, 2006

Sei que despertei e que ainda durmo. O meu corpo antigo, moído de eu viver diz-me que é cedo ainda… Sinto-me febril de longe. Peso-me, não sei porquê…
Num torpor lúcido, pesadamente incorpóreo, estagno, entre o sono e a vigília, num sonho que é uma sombra de sonhar. Minha atenção bóia entre dois mundos e vê cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um céu; e estas profundezas interpenetram-se, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o que sonho.
Um vento de sombras sopra cinzas de propósitos mortos sobre o que eu sou de desperto. Caio de um firmamento desconhecido um orvalho morno de tédio. Uma grande angústia inerte manuseia-me a alma por dentro e, incerta, altera-me, como a brisa aos perfis das copas.Na alcova mórbida e morna a antemanhã de lá fora é apenas um hálito de penumbra. Sou todo confusão quieta… para que há-de um dia raiar?...
Custa-me o saber que ele raiará, como se fosse um esforço meu que houvesse de o fazer aparecer.
Com uma lentidão confusa acalmo. Entorpeço-me. Bóio no ar, entre velar e dormir, e uma outra espécie de realidade surge, e eu em meio dela, não sei de que onde que não é este…
Bernardo Soares

quarta-feira, julho 19, 2006

As minhas ansiedades

"As minhas ansiedades caem
Por uma escada abaixo.
Os meus desejos balouçam-se
Em meio de um jardim vertical.

Na Múmia a posição é absolutamente exacta.

Música longínqua,
Música excessivamente longínqua,
Para que a Vida passe
E colher esqueça aos gestos."

Fernando Pessoa

terça-feira, julho 18, 2006

No deserto da multidão

Caminhas no deserto da multidão. As pessoas existem mas é como se não existissem. Passamos por elas e nem reparamos que elas estão ali. Por vezes até tropeçamos em alguma mas continuamos a caminhar sem olhar para trás, sem sequer olhar o rosto dessa pessoa. Chamam-lhe a indiferença das sociedades modernas. Vivemos no meio de tanta gente mas sozinhos, fechados no nosso mundo, no nosso círculo de amigos.

Fazemos planos como se vivêssemos para sempre. Olho-te nos olhos e vejo montes de sonhos a realizar, esperanças e ambições. Queria tanto poder voltar a sonhar com fé, crente de que os meus sonhos seriam um realidade mais tarde ou mais cedo. Tive tantos projectos, realizei muito planos, alguns até nem cabiam nos meus sonhos. De tudo o que sonhei só não atingi a realidade de um sonho. Talvez nunca consiga. Talvez não me atreva a contar a ninguém qual é o sonho que me falta realizar. Talvez seja um disparate. Não me queria ir embora sem o realizar. Se um dia viver esse sonho, posso ir-me embora, feliz, certa de que cumpri a minha missão, estabelecida por mim própria. Cumpriria o destino que tracei em sonhos, ideias, acções, sentimentos e emoções.

Há um lado da vida que não desejo nem à pessoa mais maquiavélica. A escuridão, andar na vida com as luzes apagadas, as nuvens carregadas com chuvas fortes e trovoadas. Sentir a fragilidade do ser humano perante as catástrofes, adversidades, obstáculos inevitáveis. Sentir que não podemos controlar tudo, o nosso corpo, a nossa mente, o nosso coração. Somos seres fracos. Mostramos força, dizemo-nos capazes do impossível, até podemos voar e ir à lua, mas sucumbimos perante coisas simples, aparentemente tão insignificantes que quando elas aparecem não estamos preparados, não acreditamos que existem mesmo, que nos podem atingir. Fechamos os olhos às misérias. Cremos que são uma minoria, que devem ser ficção, coisas da televisão e do cinema. Quando elas aparecem demoramos a digeri-las porque não conseguimos aceitar que estejam mesmo debaixo dos nossos olhos, às vezes dentro de nós.

É tão complicado explicar o inexplicável. Que palavras podem descrever a nossa fragilidade? Como explicar que levantar todos os dias da cama, abrir a janela, ver a luz do dia, ouvir o barulho dos carros e das pessoas a falar, tomar banho e escolher uma roupa, saborear o pequeno-almoço e ir trabalhar pode ser uma rotina, mas é a melhor coisa que temos. Só quando nos vemos impossibilitados de fazer essa rotina é que percebemos o valor que ela tem. Não é um valor que se explica mas se sente. E só o podemos sentir com intensidade se algum dia algo nos impedir de o realizar.

Podem-nos falar de milhões de pessoas que dariam tudo para terem os nossos problemas. Porque isso seria sinal de que não teriam outros mais graves.

Realizar sonhos quando se tem todas as condições não é um feito mas uma obrigação natural. Mas ultrapassar obstáculos em determinadas condições não é realizar um sonho, é um pequeno milagre todos os dias. A própria vida é um milagre.

A ti, meu anjo, só desejo que continues nas nuvens, num mundo de muita luz, onde não entre a escuridão, onde as misérias, as fragilidades, os obstáculos inultrapassáveis sejam coisas irreais que não cabem na tua realidade. Não quero que conheças o lado negro da vida. Não quero que a tua felicidade sofra qualquer abalo. Só quero que sejas feliz…

Sandra Bastos