quinta-feira, setembro 28, 2006

Crítica Literária: Os Seis

"Ao ler Os Seis e fazendo já uma “leitura nas entrelinhas” é inevitável não questionar o valor da amizade e dos verdadeiros amigos – aqueles que resistem e conseguem aceitar-nos mesmo quando não tomamos as decisões mais acertadas, mesmo quando não damos notícias, estamos longe, … aqueles que resistem a tudo e de quem nos lembramos a propósito de tudo e de nada, aqueles que nos marcam com sorrisos e com lágrimas. (...)

Por tudo isto, no teu romance, a simplicidade de estilo não coincide de forma alguma com um enredo ligeiro. Mesmo o leitor mais desatento não tem dificuldade em identificar o existencialismo e a reflexão sobre a fragilidade humana que está presente nas tuas obras, não sendo Os Seis excepção.

O recurso a frases curtas, o discurso suspenso, o aparente excesso de pontuação ao invés de aparentar fragmentação ou incoerência, estimula a pausa, convida à reflexão e implica o leitor no que lê. Leva-o à leitura subentendida, à vivência dos factos.

As seis personagens da obra aparentemente muito semelhantes (na idade, na experiência, no meio), acabam por ser muito mais que um estereótipo e permitir ao leitor ver em cada uma delas traços de si próprio ou do adolescente que foi.

Os factos narrados, o relacionamento entre as personagens, as condicionantes quer da aproximação quer do afastamento, o desmembramento do grupo, a amizade real ou aparente, os triângulos amorosos, a valorização da beleza física, as aparências, o divórcio são temas muito actuais que conferem muita importância ao romance e o tornam verosímil. Deste modo, elogio muito a realidade maior, que pelo estilo, pelo suspense, pelas interrogações retóricas, (etc) desperta no leitor o oculto e lhe abre os horizontes. Sou adepta de leituras profundas que me obriguem a pensar, a reviver factos passados, me inquietem e a tua obra, apesar de achar que podia ser mais desenvolvida, permite o envolvimento necessário e obriga à reflexão.

Quando digo que a tua obra podia ser mais desenvolvida, refiro-me sobretudo ao facto de teres criado um enredo rico e dotado as tuas personagens de muita vida própria para depois apresentares o rumo dos factos de uma forma demasiado simplista e cortares, de certa forma, o raciocínio ao leitor.

Deixo-te aqui um desafio, um apelo, incentivo… o que lhe quiseres chamar! Não tenhas receio de escrever obras mais volumosas… N’ Os Seis criaste um enredo que te permite escrever, escrever e escrever… e tu és capaz disso… Acabei de ler a obra e fiquei com vontade de ler mais… continuar a lê-la. É uma crítica positiva… significa que estás no bom caminho, que os teus escritos são muito superiores a muita literatura que inunda as nossas livrarias e que deves ousar escrever obras mais densas.

Enumero agora alguns aspectos menores:
Não percebo o motivo de realçares muito a beleza física das tuas personagens femininas, se bem que são aspectos muito valorizados pelos adolescentes (daí a tua opção se calhar).

Recorreste por vezes ao calão e a uma linguagem mais popular que a meu ver não se identifica muito com a tua escrita. Refiro alguns exemplos: “merda”; “enfardava”; “seu filho da puta”; “caralhos”; “que se fodesse” (esta última atribuída ao Rui, uma personagem com uma conduta exemplar.

Para terminar, dou-te os parabéns pelo teu trabalho.
Continua que os bons leitores agradecem."

Esperança Martins

Crítica Literária aOs Seis

A minha amiga Esperança, também colaboradora assídua deste blogue, teve o cuidado de ler atentamente o meu livro e fez-lhe a respectiva crítica literária.

Tenho a agradecer-lhe o muito trabalho e tempo que dispensou com as minhas palavras. Muito obrigada!

Vou publicar parte do texto que ela me enviou...

A Esperança é licenciada em Português, Latim e Grego (se não estou em erro), e actualmente está a fazer um doutoramente na Universidade de Aveiro.

segunda-feira, setembro 25, 2006

A praxe, o ensino superior, o mercado de trabalho

Enquanto que na UM sou bombardeada pelos gritos da praxe, tropeço nas capas negras dos doutores do 3ºano (quem diria...), e claro, nos coitados dos caloiros metidos em cenas tristemente divertidas, penso no panorama nacional do ensino superior.

Segundo o Portal do Governo, o número de candidatos ao ensino superior público aumentou 4% em relação ao ano passado. Foram colocados na primeira fase 86%, ou seja, 34860 estudantes. Para a segunda fase estão ainda disponíveis 11687 vagas.

Paralelamente o ensino superior privado tem vindo a perder, desde 1996, 30 mil alunos, sendo cerca de 15 mil só nos últimos dois anos.

Apesar de aparentemente o acesso ao ensino superior estar mais facilitado, a sua sobrevivência passa por maiores dificuldades: "o anúncio é que haverá um corte de 6,2 por cento no orçamento de funcionamento em termos nominais. Este valor pode corresponder, em termos reais, a um corte de oito a dez por cento". (Público) As consequências vão ser sentidas por professores e alunos. Os despedimentos tendem a crescer no ensino superior público, "onde há uma grande percentagem de docentes com contratos a prazo". Quanto aos alunos, é provável que tenham de pagar propinas ainda mais altas para "colmatar o orçamento previsto para cada instituição".

Mas o que me chamou a atenção quando vi o movimento da praxe nem foi tanto a crise que ameaça as universidades e politécnicos, mas antes a crise do mercado de trabalho. Fico com a ideia de que andamos todos enganados. Entramos felizes para a universidade, fazemos o curso com todo o entusiasmo (não é o meu caso, infelizmente) e depois, quando saímos, percebemos que não há nada do que nos prometeram a vida inteira, não há a realização profissional, o emprego para o qual estudamos... uma ilusão alimentada pelo ambiente que nos rodeia que se desfaz logo na procura de trabalho.

domingo, setembro 24, 2006

A propósito do casamento...

Acabei de ler "Casamento sem alianças" no blogue do fotojornalista Luiz Carvalho.

"Cada um traz consigo as alianças perdidas que acabam sempre por aparecer, nem que seja para fazer de símbolos um sentido que a vida muitas vezes não traz."

Vejam em Instante Fatal

Florinda

(...) Florinda era a típica mulher quase fatal. (...)

Florinda fora prendada com um rosto bonito, onde reluziam os olhos azuis mas faltava o cabelo loiro. Tal carência depressa passou a um desespero que se transformou numa angústica insuportável que martelava dia e noite na cabeça ou no espelho da beldade.

Um dia, uma ideia despertou no seu cérebro, festejada à exaustão durante uma semana, e, após conseguir, com algum esforço, outra ideia para pôr a primeira em prática, Florinda lá apareceu com o cabelo pintado de amarelo.




Uma tentativa minha, naturalmente frustrada (esqueci-me de um grande pormenor), de criar a personagem Florinda

Harriet



"(...) e, além disso, era esperar demasiado, mesmo de Harriet, que ela pudesse amar mais de três homens por ano."

Jane Austen, em "Ema"

Declaração de Mr. Knightley


"- Não sei fazer discursos, Ema (...) Se a amasse menos talvez pudesse dizer mais coisas. Mas a Ema sabe como sou. De mim não ouvirá senão a verdade. Censurei-a e repreendi-a, e a Ema suportou tudo isso como mais nenhuma mulher em Inglaterra o teria suportado. Perdoe as verdades que agora lhe digo, querida Ema, como tem perdoado outras. O modo como são ditas talvez pouco as recomende. Deus sabe que tenho sido um apaixonado bem pouco atencioso. Mas compreenda-me... Sim, bem vê, deve compreender os meus sentimentos... e retribuí-los-á se puder. Por enquanto, só peço que me deixe ouvir a sua voz, uma vez que seja."

Jane Austen, em "Ema"

Pobre Mr. Elton

"Ema, então, considerando a delicada posição do pobre Mr. Elton, que se encontrava, simultaneamente, na presença da mulher com quem acabava de casar, da mulher com quem pretendera casar e da mulher com quem haviam pretendido casá-lo, compreendou, no seu foro íntimo, que devia ter-lhe concedido o direito de se mostrar tão desastrado e comprometido como realmente era de esperar."

Jan Austen, em "Ema"

O resto do jantar

"Serviu-se a sobremesa, entraram as crianças, que foram admiradas e animadas no meio do habitual estilo de conversação, disseram-se algumas coisas com acerto, disseram-se outras sem acerto algum, mas em proporção muito aproximada umas das outras - nada mais do que observações da vida corrente, lugares-comuns, notícias já velhas e gracejos pesados."

Jane Austen, em "Ema"

Desabafo de Ema



"- Não quero senão bem a Jane Fairfax, mas estou mortalmente enjoada dela."

Jane Austen, in Ema

"Redução de custos" no Público

Para minha infelicidade e da humanidade em geral, o Público está empenhado em "reduzir os custos fixos em 15 por cento", no âmbito de uma “política de renovação e reestruturação” em curso no jornal. O plano de redução de custos passa, naturalmente, por “uma redução negociada do quadro de pessoal, a qual já permitiu rescindir contratos com cinco por cento do total de trabalhadores existentes no final de 2005”.

A empresa do Público justifica esta decisão com os fracos resultados negativos que "têm vindo a afectar a imprensa diária” (perda de circulação e quebra nas receitas publicitárias).

Segundo o JN, estima-se que esta medida vai afectar "cerca de 30 pessoas. Pelo menos no Porto a proposta foi feita a oito jornalistas. A delegação de Coimbra ficará reduzida a uma redactora. O corpo editorial é constituído, neste momento, por 140 profissionais."

sábado, setembro 23, 2006

Edição Crítica de Fernando Pessoa


A propósito de Fernando Pessoa, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda editou o sétimo volume da Edição Crítica de Fernando Pessoa, com o título editorial: Escritos sobre Génio e Loucura.

Quase todo o material era inédito, daí a sua importância. As investigações foram feitas pelo colombiano Jeronimo Pizarro, entrevistado pelo Expresso na edição desta semana.

"A importância do tema da loucura em Fernando Pessoa foi reconhecida por diversos estudiosos da obra do poeta e motivou alguns breves ensaios. Numa relação directa com o tema, surge quase sempre como necessária a questão da heteronímia." Pessoa terá partido do princípio de que "o génio está do lado da anormalidade - da anormalidade social, na medida em que é um inadaptado, e da anormalidade psíquica, na medida em que tem origem no ciclo bipolar da exaltação e da depressão." (Expresso)

Reabertura do Teatro Circo de Braga



É com grande felicidade que informo os que ainda não sabem que o Teatro Circo de Braga vai reabrir em breve, após muitos anos de obras.

Assim, no dia 27 de Outubro, os convidados da autarquia e, provavelmente, o primeiro-ministro e a ministra da Cultura, poderão ouvir a Orquestra Sinfónica Nacional Checa, num teatro a sério com 15 pisos! Os pormenores do edifício e dos montantes envolventes podem ser consultados no Google Notícias de Portugal.

"Tirando o concerto de abertura, não vai haver borlas para ninguém. Até eu, se quiser assistir a um espectáculo, terei que pagar bilhete", disse Mesquita Machado, presidente da Câmara de Braga, ao JN, acrescentando que esta será "a segunda maior obra de Braga. Se calhar, de toda a sua história, incluindo a época romana".

O Teatro Circo vai ter uma agenda cultural própria e uma programação dedicada a determinados países. O Brasil é o primeiro contemplado. A agenda completa até ao final do ano em Programação do Teatro Circo.

Carta de Despedida

Há mais de um mês que adio estas palavras e há algumas semanas que hesito em escrevê-las apesar de saber que são inevitáveis. Não é por fugir da realidade mas por achar que talvez não fossem necessárias. Hoje tornou-se impossível fechá-las em mim.

Só guardo boas recordações tuas. Uma amizade talvez para toda a vida. Momentos fantásticos, onde partilhamos emoções, ideias, conhecimentos, sentimentos, dúvidas… Caminhei perto de ti tanto tempo que me custa imaginar-te longe dos meus passos. Falo e falarei de ti como amigo. Porque isso sempre foi o mais importante para além de qualquer ilusão, de qualquer desejo de intensificar algum sentimento mais especial. Tenho a tua amizade, que guardarei comigo como um bem precioso, esteja onde estiver.

Como não tenho nada de novo para te dizer além de que esta é a última vez que te escrevo, que o meu sentimento se esgotou, sem que alguma coisa o aniquilasse, apareceu de repente e quase da mesma forma desapareceu, sem saber muito bem como, tão naturalmente como o envelhecimento dos seres vivos.

Em tua homenagem revejo o que escrevi, talvez o que senti ou julguei, por breves instantes, sentir. A expressividade do teu rosto que hoje nada mais me lembra do que um semblante talvez simpático. Terás um olhar sedutor mas não mais para mim. Certamente continuarás a atrair muitos corações ou apenas instintos femininos! Continuo a achar que tens uma personalidade forte, que és muito seguro e confiante mas confesso que não tanto como imaginava. Talvez achasse que não tinhas pontos mais frágeis, mas tens, como toda a gente. És muito virtuoso, mas há tantos artistas de nível igual ou mesmo superior. Mesmo que não transpirasses tanto talento, continuavas a ser especial. Reparei também que por vezes o teu cérebro se deixa dominar pelo coração. És humano, felizmente!

Nunca cheguei a saber se conhecias o Nocturno do Sonho de Uma Noite de Verão. Estar contigo foi o meu sonho em muitas noites deste Verão, que termina nesta madrugada. Chamei por ti mas não me ouviste. Não consegui ouvir a tua música fundida na orquestra da sociedade. Sabia que estavas lá mas não distinguia o teu som entre tantos. Pois claro, o nome do instrumento… Seria mais um violino entre tantos os outros? A delicadeza de uma harpa? Ferrinhos? Viola? Ok, nem se ouve na orquestra, coitadinho!

Comecei a falar de ti às três da madrugada e acabo quase à mesma hora! Mas desta vez já não me perco a falar de ti. Muito menos a esperar e a procurar-te na paisagem da multidão.
Já não estás aí porque perdeste a paciência para me ouvires. De facto perdi muitas horas mergulhada na complexidade no teu ser. Valeu a pena, fiz muitos progressos na minha capacidade de análise! Consegui perceber, mais ou menos, como funcionas e até nem fiquei decepcionada. Só que talvez não sejas o que procuro, se é que procuro algo!

Descobri também que não és indiferente ao mundo dos afectos, que também não escapaste ao vulcão em actividade, a ferver, a incendiar o que ainda não ardeu! Serás mais um príncipe do nada, metido com um princesa igualmente inútil. Não sei, nem quero saber, porque no fundo são todos iguais, homens e mulheres, a par com a inutilidade que corrompe a réstia de humanidade, o romantismo talvez ainda mais improfícuo. Por isso a treta da virilidade ainda é terrivelmente tão estúpida como eu ao perder tempo a debater a superfície do ego masculino.

E se realmente vieres a ser eleito rei de qualquer esterco, apenas emigrarei sem preparar revolução alguma porque mesmo que sejas corrompido à exaustão será impossível eliminarem o teu âmago íntegro e afável.

Confesso que esperava mais de ti. Mas também é um grande defeito meu esperar mais das pessoas do que elas podem e são capazes de dar e ser. Nada do que disse abala a nossa amizade. Não tens culpa de eu pensar que tinhas mais valor para mim do que realmente tens.
As respostas que procuras não sou que tas vou dar. E agora acho que nem as minhas tas posso encarecidamente oferecer. Acho que nem as minhas a mim mesma consigo dar.

Espero que as nuvens não estejam furadas nem o teu anjo da guarda faça greve. Não quero ver a tristeza dos teus olhos a contagiar o teu rosto, a tua alma. Quero que os teus passos sejam seguros e que o teu coração tenha a capacidade de se refazer das mágoas, as feridas curadas com anestesia e o sistema imunitário na máxima força.

A esta hora estás tu mergulhado nos sonhos, na certeza de que vais ser alguém. . Se tivesse a ilusão dos dezoito anos seria possível acreditar que eras um anjo, assim fico-me pela ideia que, até prova em contrário, és um tipo porreiro que merece ser feliz, mesmo sem asas nem auréola nem aquela fatiota branca.

Continuo a querer que os teus passos te levem ao possível do impossível. Ficar-me-ei pela fila dos amigos que te aplaudem, no grande auditório do mundo, porque a tua vida ainda agora começou… e a mim só me resta dizer-te que amar-te-ei sempre mas sempre (e apenas) como amiga, aliás, como sempre o fui.

Fica bem e sê mesmo muito feliz!

Sandra Bastos

sábado, setembro 16, 2006

Nota biográfica, escrita por Fernando Pessoa


Nome completo: Fernando António Nogueira Pessoa.

Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.º 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório) em 13 de Junho de 1888.

Filiação: Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira. Neto paterno do general Joaquim António de Araújo Pessoa, combatente das campanhas liberais, e de D. Dionísia Seabra; neto materno do conselheiro Luís António Nogueira, jurisconsulto e que foi Director-Geral do Ministério do Reino, e de D. Madalena Xavier Pinheiro. Ascendência geral: misto de fidalgos e judeus.


Estado: Solteiro.

Profissão: A designação mais própria será «tradutor», a mais exacta a de «correspondente estrangeiro em casas comerciais». O ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação.

Morada: Rua Coelho da Rocha, 16, 1º. Dto. Lisboa. (Endereço postal - Caixa Postal 147, Lisboa).

Funções sociais que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos, ou funções de destaque, nenhumas.


Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações ocasionais. O que, de livros ou folhetos, considera como válido, é o seguinte: «35 Sonnets» (em inglês), 1918; «English Poems I-II» e «English Poems III» (em inglês também), 1922, e o livro «Mensagem», 1934, premiado pelo Secretariado de Propaganda Nacional, na categoria «Poema». O folheto «O Interregno», publicado em 1928, e constituído por uma defesa da Ditadura Militar em Portugal, deve ser considerado como não existente. Há que rever tudo isso e talvez que repudiar muito.

Educação: Em virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas núpcias, com o Comandante João Miguel Rosa, Cônsul de Portugal em
Durban, Natal, foi ali educado. Ganhou o prémio Rainha Vitória de estilo inglês na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15 anos.

Ideologia Política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a
Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes, votaria, embora com pena, pela República. Conservador do estilo inglês, isto é, liberdade dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reaccionário.

Posição religiosa:
Cristão gnóstico e portanto inteiramente oposto a todas as Igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria.

Posição iniciática: Iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta)
Ordem Templária de Portugal.

Posição patriótica: Partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida toda a infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um
sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: «Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação».

Posição social:
Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.

Resumo de estas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir
Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.

Lisboa, 30 de Março de 1935 [no original 1933, por aparente lapso]

Se depois de eu morrer

"Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza."

Alberto Caeiro

Alberto Caeiro


Alberto Caeiro da Silva nasceu em 1889, em Lisboa, onde mais tarde viria a falecer, em 1915, vítima de tuberculose. Não obstante a sua origem urbana, é conhecido pela sua expressão rural, tendo sido pastor numa quinta do Ribatejo.

Partindo do princípio de que nada existe para além do que se vê, Alberto Caeiro cultiva uma espécie de “filosofia do não filosofar”. A sua obra poética é marcada pela contemplação da natureza através dos sentidos, procurando “sentir as coisas simples da vida com maior intensidade”.

“Mesmo assim, enquanto tenta provar que não intelectualiza nada, é o que mais intelectualiza entre as personalidades pessoanas, parece usar o raciocínio sem querer demonstrar isso. Daí ser o mais infeliz, por restringir o mundo, além de fugir do progresso e a ele renunciar.” (Batista de Lima in «Jornal da Poesia»)

segunda-feira, setembro 11, 2006

Chamo-te sem saber quem és

Estou sentada na areia fina de uma praia. Sinto o cheiro da água salgada, a brisa que enrodilha o meu cabelo enquanto me deixo levar pela contemplação do pôr-do-sol. Uma luz forte mas que não fere, atinge o meu âmago, faz-me esquecer quem sou, onde estou e para onde vou.

Longe de mim mesma mergulho nas divagações ensombrada por uma imagem que caminha pelo mar rebelde. É um homem que transpira beleza mas no qual se distingue um olhar triste. Olha distraído para o chão à procura dos sentimentos que perdeu algures entre a multidão. Vejo-lhe a alma, nítida pela transparência do seu corpo, leio-lhe os pensamentos… que diferente ele é! Tão puro e disposto a ser corrompido!

Chamo-o sem saber que nome tem. Não me ouve com a concentração em coisas inúteis mas sentimentais, ingénuas mas compreensíveis. Não insisto até porque me faltam as forças, a voz enfraquecida… Mas porquê chamar uma pessoa que não me ouve? Que passa por mim e nem me vê? Outros hão-de vir, outros passarão, quem sabe se ficam para me ouvir um pouco e haja algum que acabe por ficar para sempre.

O que mais me impressiona é a minha calma talvez indiferente. Como não me preocupa se não me ouvem! Se os meus gritos fazem eco no oceano mas não são perceptíveis ao ouvido humano.
Como é boa a vida e bonito o pôr-do-sol! A luz que ilumina mas não fere!

Amo-te! A ti que não conheço nem sei quando vou realizar o sonho de te conhecer. A ti, que és o único que dispensará os meus gritos para me ouvir, que não precisará que o chame para me poder ver. A ti que amarei para além das minhas forças e que não precisarei de provar até onde poderei ir para te fazer feliz! A ti que caminhas no deserto da multidão à procura da intensidade do momento, do melhor que o pior pode ter. A ti que tens o que os outros não têm. A ti que bastará um olhar para sentir o quanto me amas.

Continuo à tua espera… mesmo que ainda estejas do outro lado do oceano e que ainda seja demasiado cedo para nos amarmos… mesmo que ainda tenhamos de conhecer muitas pessoas erradas até termos a certeza de que fomos feitos um para o outro.

Sim, serás músico. Qual é o teu instrumento? Eu sabia que adoravas o concerto para violoncelo de Elgar, que a trompa te ia encantar e que o fagote era irresistível. Todos os outros apenas servem para nos acompanhar…