sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Exigimos respeito pelo Professor

*Carta a Miguel Sousa Tavares*

No número 1784 do Jornal Expresso, publicado no passado dia 6 deJaneiro, o colunista Miguel Sousa Tavares desferiu um violentíssimo ataque contra os professores (que não queriam fazer horas de substituição), assim como contra os médicos (que passavam atestados falsos) e contra os juízes (que, na relação laboral, pendiam para os mais fracos e até tinham condenado o Ministério da Educação a pagar horas extraordinárias pelas aulas de substituição). Em qualquer país civilizado, quem é atacado tem o direito de se defender. De modo que a professora Dalila Cabrita Mateus, sentindo-se atingida, enviou ao Director do Expresso, uma carta aberta ao jornalista Miguel Sousa Tavares. Contudo, como é timbre dum jornal de referência que aprecia o contraditório, de modo a poder esclarecer devidamente os seus leitores, o Expresso não publicou a carta enviada.
Aqui vai, pois, a tal Carta Aberta, que circula pela Net. Para que seja divulgada mais amplamente, pois, felizmente, ainda existe em Portugal liberdade de expressão.
*Carta duma professora*
«Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de ler textos escritos pelo jornalista Miguel Sousa Tavares. Anoto que escreve sobre tudo e mais alguma coisa, mesmo quando depois se verifica que conhece mal os problemas que aborda. É o caso, por exemplo, dos temas relacionados com a educação, com as escolas e com os professores. E pensava eu que o código deontológico dos jornalistas obrigava a realizar um trabalho prévio de pesquisa, a ouvir as partes envolvidas, para depois escrever sobre a temática de forma séria e isenta.
O senhor jornalista e a ministra que defende não devem saber o que é ter uma turma de 28 a 30 alunos, estando atenta aos que conversam com os colegas, aos que estão distraídos, ao que se levanta de repente para esmurrar o colega, aos que não passam os apontamentos escritos no quadro, ao que, de repente, resolve sair da sala de aula.
Não sabe o trabalho que dá disciplinar uma turma. E o professor tem várias turmas. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra deva saber) o enorme trabalho burocrático que recai sobre os professores, a acrescer à planificação e preparação das aulas. O senhor jornalista não sabe (embora devesse saber) o que é ensinar obedecendo a programas baseados em doutrinas pedagógicas pimba, que têm como denominador comum o ódio visceral à História ou à Literatura, às Ciências ou à Filosofia, que substituíram conteúdos por competências, que transformaram a escola em lugar de recreio, tudo certificado por um Ministério em que impera a ignorância e a incompetência.
O senhor jornalista falta à verdade quando alude ao «flagelo do absentismo dos professores, sem paralelo em nenhum outro sector de actividade, público ou privado». Tal falsidade já foi desmentida com números e por mais de uma vez. Além do que, em nenhuma outra profissão, um simples atraso de 10 minutos significa uma falta imediata. O senhor jornalista não sabe (embora a ministra tenha obrigação desaber) o que é chegar a uma turma que se não conhece, para substituir uma professora que está a ser operada e ouvir os alunos gritarem contra aquela «filha da puta» que, segundo eles, pouco ou nada veio acrescentar ao trabalho pedagógico que vinha a ser desenvolvido.
O senhor jornalista não imagina o que é leccionar turmas em que um aluno tem fome, outro é portador de hepatite, um terceiro chega tarde porque a mãe não o acordou (embora receba o rendimento mínimo nacional para pôr o filho a pé e colocá-lo na escola), um quarto é portador de uma arma branca com que está a ameaçar os colegas. Não imagina (ou não quer imaginar) o que é leccionar quando a miséria cresce nas famílias, pois «em casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão».
O senhor jornalista não tem sequer a sensibilidade para se pôr no lugar dos professores e professoras insultados e até agredidos, em resultado de um clima de indisciplina que cresceu com as aulas de substituição, nos moldes em que estão a ser concretizadas.
O senhor jornalista não percebe a sensação que se tem em perder tempo, fazendo uma coisa que pedagogicamente não serve para nada, a não ser para fazer crescer a indisciplina, para cansar e dificultar cada vez mais o estudo sério do professor. Quando, no caso da signatária, até podia continuar a ocupar esse tempo com a investigação em áreas e temas que interessam ao país.
O senhor jornalista recria um novo conceito de justiça. Não castiga o delinquente, mas faz o justo pagar pelo pecador, neste caso o geral dos professores penalizados pela falta dum colega. Aliás, o senhor jornalista insulta os professores, todos os professores, uma casta corporativa com privilégios que ninguém conhece e que não quer trabalhar, fazendo as tais aulas de substituição. O senhor jornalista insulta, ainda, todos os médicos acusando-os de passar atestados, em regra falsos.
Tal como o Ministério, num estranho regresso ao passado, o senhor jornalista passa por cima da lei, neste caso o antigo Estatuto da Carreira Docente, que mandava pagar as aulas de substituição. Aparentemente, o propósito do jornalista Miguel Sousa Tavares não era discutir com seriedade. Era sim (do alto da sua arrogância e prosápia) provocar os professores, os médicos e até os juízes, três castas corporativas. Tudo como propósito de levar a água ao moinho da política neoliberal do governo, neste caso do Ministério da Educação. »
Dalila Cabrita Mateus, professora, doutora em História Moderna eContemporânea».

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Simplesmente Tu!

O ego desprovido da corrupção do mundo, da fraqueza humana, da crueldade que elimina a pureza do ser. Sentir a força, a coragem que me dás sendo apenas tu próprio. Uma confiança que se apodera de mim como a sede de liberdade, a sede de poder ser eu própria e amada como tal.

Tu que chegaste onde nenhum chegou, tu que me deixas ser o que sempre quis mas não o era por medo. O medo que nunca senti a teu lado. Não se explica. Sente-se...

Sandra Bastos
Fevereiro 2007

domingo, fevereiro 11, 2007

Ennio Morricone - Cinema Paradiso

Até que entendeu.

"Quando olhou, o quarto encontrava-se vazio. Ninguém lá estava. A luz brilhava tão intensamente que ela pôde ver as verdadeiras cores das paredes e do chão. Nunca antes vira as paredes. A cama estava vazia. Ela sempre o soubera, mas só agora tomou consciência desse facto. Olhou para o lençol e o cobertor amarrotados do lado onde ela própria dormia, o único que estava a ser usado.

Entrou no quarto e dirigiu-se à janela. Abriu-a. Abriu a janela de par em par. Não sabia porque fizera isto. Até que entendeu. Queria sentir o cheiro forte do mar a bater-lhe no rosto e o fluxo do tempo a percorrer-lhe o corpo, para ficar a saber quem era."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Corre o risco

"Será que aquilo que está a acontecer é tão diferente das experiências habituais do mundo exterior que te sentes obrigada a arranjar desculpas para justificá-lo, ou a atribuir-lhe o estatuo subalterno de ilusão dos sentidos?
Dar-se-á o caso de a realidade ser demasiado poderosa para ti?
Corre o risco. Acredita no que vês e no que ouves. É a pulsação de todas as sugestões secretas que alguma vez sentiste em torno das margens da tua vida."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Amor e Cinema Paradiso

Dá livre curso à morte

"Por que não hás-de mergulhar na morte? Deixa que a morte te arraste para o fundo. Dá livre curso à morte.
Por que não há-de a morte de uma pessoa que amamos arrastar-nos para a mais lúgubre decadência? Não sabemos como amar aqueles que amamos até ao dia em que eles desaparecem abruptamente. Só então nos apercebemos daquela pequena distância em relação ao seu sofrimento que poucas vezes soubemos superar, do modo como nos resguardámos, como só raramente abrimos o nosso coração, sempre a tecermos as nossas teias de deve-e-haver."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

O que é que resta?

"Nós não paramos, ficamos despojados, menos seguros de nós mesmos. Não sei. Quando sonhamos ou temos muita febre ou estamos drogados ou deprimidos, é ou não verdade que o tempo abranda ou parece parar? Que é que resta? Quem resta?"

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Eis a regra do tempo

"Significa que a nossa vida e a nossa morte já estão definidas, e só nos é exigido que não faltemos à chamada. (...)

Algo está a acontecer. Aconteceu. Vai acontecer. Eis aquilo em que ele acreditava. Há uma história, um fluxo de consciência e de possibilidades. O futuro toma forma. (...)

Mas que sabia ela? Nada. Eis a regra do tempo. É a coisa da qual nada sabemos. (...)

Passado, presente e futuro não são artifícios de linguagem. O tempo desdobra-se nas costuras do ser. Passa através de nós, cria-nos e molda-nos."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

O tempo é a única narrativa que conta

"O tempo é a única narrativa que conta. Prolonga os acontecimentos e torna possível que sintamos dor e a superemos e que assistamos ao espectáculo da morte e continuemos a viver. Mas não para ele. Ele move-se noutra estrutura, noutra cultura, onde o tempo é uma dimensão à parte, que não oferece abrigo."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Talvez

"Seja lá como for. A expressão mais frouxa que existe. E mais ou menos. E talvez. Sempre talvez. Ela estava sempre a usar talvezes."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Tempo

"Nós somos feitos de tempo. É essa a força que nos confere uma identidade própria. Basta fecharmos os olhos e sentimo-la. É o tempo que define a nossa existência."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Uma pessoa se esquece

"Era o género de dia em que uma pessoa se esquece do que ia fazer e deixa cair coisas e entra numa sala e fica a pensar o que é que veio ali buscar, porque ali entrou por alguma razão foi e acaba por dizer a si mesma que é apenas uma questão de tempo até se lembrar porque a pessoa acaba sempre por se lembrar depois de entrar na sala."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Memórias do Verão

Chove muito. É com este Inverno que sinto saudades do Verão. O calor, a alegria, os gelados e as noitadas ao ar livre. Sorrisos, olhares e palavras bonitas...

Recordações de um Verão marcado por esta música... mas as imagens estão guardadas na minha memória :)

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

ELOGIO AO AMOR (Miguel Esteves Cardoso)

Recebi hoje um mail com este texto...

"Quero fazer o elogio do amor puro.
Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade.
Já ninguém quer viver um amor impossível.
Já ninguém aceita amar sem uma razão.

Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática.
Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.
Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa.
Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo".
O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.
Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.

O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem.
A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática.
O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.

Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.
Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.

Já ninguém se apaixona?
Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".

Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores.
O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor.
É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor.
A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra.

A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos
acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.

A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

Miguel Esteves Cardoso

sábado, fevereiro 03, 2007

Olhemos.

"Olhemos. O corpo que pulsa debilmente, amortalhado no lençol. Eis o que sentimos, a olhar para o corpo silencioso e vulnerável, quase anónimo, ou quando jazemos ao lado do nosso marido depois de termos feito amor e respiramos o calor dos seus sonhos impiedosos e perguntamos a nós mesmas quem ele é, meditamos ternamente na verdade que nunca chegaremos a conhecer, porque esse é o segredo que o sono protege nas suas profundezas neuronais, nos seus estratos, camadas e pregas."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

O mesmo pobre diabo...

"Observou-o. Era o mesmo pobre diabo que se lhe deparara de início, um homem desprovido da mais pequena percepção do efeito que exercia sobre os outros."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Viver outra vez

"O plano dela era organizar o tempo até conseguir viver outra vez."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Unir o corpo e o espírito

"Nos primeiros dias depois do regresso, comeu uma amêijoa estragada e passou as horas seguintes a precipitar-se para a casa de banho. Ao menos, porém, isso serviu para ela reaver o corpo. Não há como uma tremenda caganeira, pensou, para unir o corpo e o espírito."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Dias sempre iguais

"Sentia-se ali como em sua casa e percorria os dias muito depressa, dias com as suas pequenas rotinas entorpecedoras, dias sempre iguais, ritmados e organizados mas com uma estagnação simultânea, descentrados, por vezes vazios aqui e além, dias que se moviam tão lentamente que chegava a a doer."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Achas isso boa ideia?

"Ela quase retorquiu: Achas isso boa ideia? Mas acabou por se abster. Porque seria um comentário tão desnecessário. Porque seria muito mesquinho dizer uma coisa dessas, de manhã ou em qualquer altura, num dia de intensa claridade, depois de um temporal."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

Às vezes

"Às vezes, não se lembra do que lhe quer dizer até que ele sai da divisão onde se encontram. Nessa altura, lembra-se. E então ou chama por ele ou não e ele volta atrás ou não."

Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"

O tempo parece escoar-se

"O tempo parece escoar-se. O mundo acontece, prolonga-se numa sucessão de momentos e nós detemo-nos a olhar uma aranha espalmada contra a sua teia. (...) Sabemos melhor quem somos num dia de intensa claridade, depois de um temporal, quando o sentimento de si trespassa todas as folhas que caem, mesmo as mais pequenas."


Don DeLillo, em "O Corpo Enquanto Arte"